5/31/2005 

Renata

Dei por mim a lamber-te os olhos como os gatos fazem habitualmente num acto de limpeza puro e desprovido de qualquer sentimento afectivo.
Deitada, esboçavas um sorriso pequeno, daqueles sorrisos satisfeitos que não precisam de enrugar a cara inteira para mostrar satisfação e apreço. Um sorriso sincero, que vejo poucas vezes mas que enche a alma de confiança e paz, que me faz sentir que tenho uma mulher crescida deitada comigo, da qual sinto orgulho.
Após a tarefa concluída, volto-me e deixo caír o corpo pesado sobre a cama, inspirando fundo e fazendo festas nos pêlos do peito. Suór escorre-me da testa e olho o tecto como se um céu estrelado estivesse de frente para mim. No entanto, era apenas um tecto branco com tinta de areia a estalar.
Aninhaste por cima do meu braço direito, colocando a cabeça sobre o meu peito e a perna sobre a minha. A tua mão substitui a minha fazendo festas no peito. Abraço-te fortemente apertando o corpo pequeno contra o meu e suspiramos em conjunto...
Fecho os olhos por segundos e penso: "Não quero mais nada. Sei que não quero mais nada e não tenho paciência para mais nada que isto. Como posso verbalizar?".

Adormecemos.
Acordamos.

Estamos mortos.
Não, não estamos. Mas antes estivessemos tendo em conta a dificuldade que é amar uma pessoa a todos os níveis.
O que está morto é o meu braço debaixo do teu corpo; e assim acordo.

Deito-me.
Adormeces primeiro.

Por vezes deito-me à noite pondo os braços por debaixo da almofada e fico parado a pensar sozinho. Tento arranjar maneiras de me expressar comigo próprio, como se fosse necessário esclarecer o que já sei. Na verdade, tento apenas encontrar formas linguísticas para comunicar com o exterior, é um exercício comigo próprio mas não para mim. Como se estivesse a virar a roupa do avesso para alguém que não sabe que a roupa tem tecido de ambos os lados.
E o corpo permanece na cama. Muito parado. Mal se houve a respiração. Sinto-me um cadáver de olhos abertos debaixo da terra sem que a cabeça pare nem por um minuto. A mente quer romper, quer tomar conta da minha conduta. Quer-me enlouquecer ou fazer com que entre em contacto com medos que sempre pensei estarem mais do que resolvidos.
Quando me vejo de fora, sinto-me pequeno, encolhido ou insuficiente para o que sei e sinto. Como se uma humildade infantil se apodera-se da minha idade, peso, altura e cor.

Suspiro no silêncio.
Fecho os olhos humedecidos.

Viro o corpo e reclamo o que é meu:

“Quero-te para mim como quem guarda um tesouro precioso para o resto da vida.
Quero ajudar-te sempre. Ser a tua segurança física, o teu braço forte. Não precisas de ter medo nunca mais pois estarei sempre do teu lado. Irei sempre defender-te e lutar por ti. A minha energia vital funciona com o propósito de estar ao teu lado para todo o tipo de situações.
Quero brincar contigo em todo o lado, rir de tudo, levar-te a passear, surpreender-te, conquistar-te, viajarmos muito. Conhecermos e aprendermos em conjunto. Discutirmos muito também é bom.
Quero fazer-te sentir mulher. Ter-te no meu braço, dar-te uma palmada, roubar-te um beijo, meter os dedos nos teus cabelos encaracolados. Fazer amor contigo. Todos os dias, ou sempre que nos apetecer.
Quero tratar-te melhor do que alguém jamais te tratou ou irá tratar, tenho certeza absoluta disto. Não tenhas dúvidas que se não for eu o Teu homem, não sei quem será.
Quero que te sintas à vontade para falar de tudo comigo. Quero ser o teu melhor amigo e não irei tentar usar-te ou enganar-te a meu favor. Não sintas medo de me magoar por algo que possas dizer, prefiro sinceridade a repressão. E tu és um diamante bruto, por isso shine on!
Irei adorar o teu corpo como um templo todos os dias. Não és a única mulher no planeta, mas és a minha e para mim isso não tem preço, é incomparável!
Quero partilhar a minha vida contigo, contar-te o que me vai na cabeça, viver em comum e termos espaços individuais dentro da nossa própria casa. A nossa casa é um refugio para nós mesmos e para quem nos é querido.
O que é meu é teu; gosto que uses o que é meu. Usa o que é meu tal como se fosse teu.
Existe muita coisa que nem preciso dizer-te, tu entendes. Para mim é um descanso. A nossa espiritualidade é uma dádiva, não encontro maneira de conter o emocional no que respeita à minha ligação espiritual contigo, ultrapassa-me e portanto deixa de ser pensado. É puro.
Não pretendo fazer de ti o que não és. Não quero que sejas o que desejo que sejas. Quero que sejas quem és, tal como és. Tal como gosto de ti. Não vais deixar de ser quem és por estares comigo, chamar-te-ei a atenção para isso. Porém, transformações são saudáveis e refrescantes. Transformações são coloridas.
Não pretendo que exista dependência emocional entre nós. Quero que sejas livre e que faças apenas o que desejas fazer sem sentires obrigações, horários ou ressentimentos. Tu sabes o que tens de fazer e quando tens de fazer, não precisas de ninguém que te diga.
Quero que peças favores livremente sabendo que irei responder com o maior dos prazeres e sem exigir nada em retorno. Eu farei o mesmo.

Sente-te plena, livre, confiante, feliz, realizada, amada.

Estarei sempre aqui, mas nunca me tomes como garantido.”

Beijo-te a testa.
Adormeço.

5/30/2005 

No Alpendre

O vento limpa os céus e os teus pés trazem areia para dentro de casa.
No alpendre o mundo é uma janela sem caixilharia onde tu brincas com a Natureza como se houvesse algo de novo na terra árida, nos arbustos secos e nas oliveiras presas ao chão oco.
O calor traz moleza e fadiga, substitui a libido numa energia corporal, interna.
A força transpõe-se para um nível fisiológico, visceral, dos orgãos.
E os teus orgãos estão plantados de frente para o horizonte; livre.
És a criança que eu nunca fui.
Se me irrito contigo esta é a única razão: culpa própria de não ter sabido aproveitar.
Já não me sinto cansado de ser velho, afinal não é assim tão mau.

5/21/2005 

João

O João é um punk.
Conhecemo-lo hoje na Feira Medieval. Um gajo porreiro. Bêbado, engraçado, convicto (demasiado), ideologista.
Aquele gajo fez-me pensar em como uma ideologia/estilo-de-vida consegue distorcer uma pessoa. É como se o estilo-de-vida dele o levasse à própria destruição.

Quem diria. Um gajo forte, com garra, com coração... Deixa-se consumir pela sua própria estructura. That's what I call "being out-of-balance with things".
It makes you wonder, porquê criar aquelas capas? Porquê ser punk se ao final do dia dorme sozinho, com frio, com fome e sem companhia? Can't really understand what's the pride in that. Ser punk é ser isso, ser uma diferença que sofre por ser diferente? What's the point? Marcar a diferença for the sake of it?
É certo que alguém tem de atirar a primeira pedra, neste caso impedir que a atirem, mas para tal penso que não é necessário dedicar uma vida de "caridade" pelas mentes pobrezinhas.

Não acho o João um bêbado (no sentido lato do termo), nem muito menos um babuíno como lhe chamou praticamente a minha sogra - yep, já tenho uma! - acho é que o João, tal como muitos outros individuos, se levam demasiado a sério, sei o que digo porque já caí mais ou menos nessa esparrela. Um gajo não pode viver a vida inteira assim.
Cada um escolhe aquilo que quer ser, não censuro caminhos nem pessoas. Vejo é que certas escolhas têm um destino demasiado certo - o fundo do poço.

Pessoas como o João deviam pegar naquela convicção toda e fazer algo por eles próprios ao invés de apenas construirem uma imagem deles onde só eles vivem. Uma redoma.
Eu admiro o João. Mas porra, wake the fuck up!

Queria conhecer um punk que estivesse integrado na sociedade e a vingar na vida, esses gajos eu dou valor. Conseguirem furar e fazer valer o seu ponto de vista no meio dos vermes. Isso é ser punk. Isso é ter uma ideologia que impede que atirem a primeira pedra aos punks.

5/19/2005 

Inexpressividade

Quando não falamos o que temos para dizer alguém fala por nós.
Como se fosse preciso vivenciar o pensamento/emoção que se encontra suspenso no ar. Alguém tem de agarrar esse pensamento/emoção e dar-lhe forma. Fazem isso muitas vezes comigo e sinto-me assaltado/sugado.

Digo isto porque hoje vou de férias e não precisei de partilhar dessa felicidade pre-férias com ninguém no trabalho. Todos vinham ter comigo e diziam "hein? grande sorte, tás quase de férias.." / "último dia, hein?" / "é hoje, não é?".
E eu, feito parvo, olhava para eles e pensava, "Mas que raio! Não era suposto ser eu a dizer isto? Como é que estes gajos sabem que vou de férias?"

A minha mãe faz constantemente o mesmo. Exprime emoções que eu não expresso, sobre acontecimentos pessoais meus.

Acho que sinto tenho raiva das pessoas por ser inexpressivo.
Esta incapacidade minha de não me entusiasmar faz com que não aceite a dos outros.

 

A Poltrona

Fui ao barbeiro. Dei comigo sentado naquelas poltronas gigantescas que mais parecem um trono de rei novo-rico. Os estofos gastos mas altos empurravam-me para cima ficando com os pés no ar, fazendo-me sentir uma criança submissa em casa de um familiar distante. Apalpo os apoios para os braços que são de um metal frio e pesadão, com um design que hoje em dia voltou a ser bem cool para ter no meio de uma sala perdida nos meandros de qualquer metrópole cosmopolita europeia.
Às tantas, no meio daquele cheiro a pó-de-talco e after-shave, questiono-me: o que é que torna estes locais tão entusiasmantes e ao mesmo tempo tenebrosos? Sinto um nervoso-miudinho sempre que aqui entro. Serão as revistas e jornais com acontecimentos de meses longuínquos que são largados sobre uma bancada de mármore suja pelo tira-e-põe dos clientes que esperam, ou talvez os cabelos que se encontram num canto da sala, por detrás de uma vassoura, juntos como se derivassem de uma única cabeça? Este lugar tem algo de extremamente macabro e no entanto não consigo apontar uma razão fundamentada que justifique o que acabei de descrever.
Sentado vou observando a parede à minha frente com espelhos do tecto até à cintura e os calendários de mulheres semi-nuas pendurados ao lado dos pentes para venda com etiquetas amarelas. Aqueles pentes pequeninos que alguns homens usam dentro do bolso do casaco para passar na poupa nos dias especialmente ventosos.
Um velho de ar dócil aproxima-se na lateral e olha de esgueira com a tesoura erguida numa mão enquanto inclina o corpo para limpar a outra à bata curta e branca - "então, como vai ser?" - baixo as sobrancelhas e respondo tristemente, "máquina um por favor."
O som da máquina a ligar-se arrepia-me a nuca e os braços, faz muito tempo que não corto o cabelo. Aliás, nunca gostei de aqui entrar. Desde criança que me sinto inquieto ao entrar num barbeiro, parece que ponho à prova a minha resistência à paciência, ou pior que isso, sinto que deposito o destino e uma orelha nas mãos de um velho que sofre de arritemia crónica e de um cheiro podre da boca.
Observo a mão do velho como quem analisa uma sirurgia de alta precisão. Treme por todos os lados. “Estou tramado!”. O sr. Zé até é boa pessoa mas intimida-me profundamente. O corpo esgueiro e fininho parece não conseguir suportar o peso das máquinas que utiliza e por isso fico sismado que ao menor movimento corporal me irá cortar uma orelha. É demasiado baixo para se movimentar de um lado para o outro da grande poltrona, é assustador e não oferece credibilidade nenhuma. Permaneço hirto e firme. Respiro fundo e aproveito a desculpa dos cabelos me cairem na cara para fechar os olhos e engolir em seco. “Pudia ter feito isto em casa, nunca mais aprendo. Já não tenho idade para estas coisas.”
O sr. Zé é um tagarela nato, vai falando com os clientes habitué e com os novos como se fosse dono daquela rua ou mesmo do bairro inteiro. Na realidade, ele conhece grande parte das famílias que ali habitam, está habituado a observar quem passa em frente à loja e o costume de ir ao barbeiro é já uma tradição que vai passando de pai para filho e muitas vezes é até frequente encontrar gerações opostas dentro do mesmo salão criando confrontos de estilos, ou meros desabafos futebolísticos que se prelongam por horas a fio.
Naquela zona toda a gente conhece o Zé, já nem se usa dizer que se vai ao barbeiro, as pessoas cruzam-se na rua e trocam garlhadetes do género “Epá, um corte de cabelo novo, hein?” e o outro responde de peito cheio, “Estava a precisar de dar uma carecada, fui ali ao Zé.” E alegremente vão fazendo publicidade a um espaço que oferece o mesmo serviço, com as mesmas condições - e os mesmos jornais - ano após ano e que por alguma razão absurda continua a ser o predilecto da população local.
Mas devo confessar, o que me irrita profundamente neste barbeiro não são as instalações precárias ou mesmo o corpo bailarino do sr. Zé, é sim o modo como dá duas tesouradas e faz uma pausa para gesticular grandiosamente enquanto faz valer o seu ponto de vista curto e manhoso. De seguida, volta a ajustar a tesoura nos dedos e enquanto ouve a resposta vinda de um cliente qualquer a 3 passos de distância, esboça um sorriso de sapo como se pensasse consigo mesmo “este gajo não faz a mais pequena ideia do que está para ali a dizer”.
Sempre achei os gestos do sr. Zé demasiado exagerados para o seu tamanho. Lembro-me que quando era puto e lá ia tinha medo que uma tesoura saísse disparada da mão ou que num acto de descuido fosse bater na cabeça do infeliz que estava sentado na poltrona. E agora era eu que ali estava sentado. Na famosa poltrona de estofos redondos. A olhar para a barriga e a imaginar os cabelos cairem sobre a bata que se encontrava apertada no meu pescoço como uma trela. Tinha uma sensação eminente de culpado, sentia-me um condenado que sabe que está a ser julgado por algo socialmente incorrecto mas que na sua cabeça faz sentido e é perfeitamente aceitável.
Uma parte de mim envelhece quando corto o cabelo. Faz-me sentir triste pois transmite uma imagem errada de frescura que não habita no meu corpo. É como uma traição assumida, uma facada necessário que dou nas costas.
Olho pela vitrine ao meu lado esquerdo e vejo as pessoas passarem lá fora com destinos fixos: vão às compras, buscar os filhos à escola, ao banco, enfim, o sr. Zé não tem culpa nenhuma da minha tristeza e provavelmente ainda hoje continua a cortar cabelos a miúdos e graúdos, com o seu enorme papo na garganta, bafo nauseabundo e aos pulinhos de um lado da poltrona para o outro.
No barbeiro aprendi a esperar. Aprendi a estar comigo próprio e a pensar de forma séria na vida. Ficava sentado naquelas cadeiras dispostas uma ao lado da outra de frente para os espelhos e ora sorria com as histórias simplistas dos velhos, ora olhava para dentro através da janela para a rua.
Sentia-me preso naquele espaço. Como se não pudesse fugir e fosse obrigado a passar por aquela situação para aprender algo maior.
De repente acordei. Olhei para as minhas mãos por debaixo da bata que tinha presa ao pescoço e vi-me reflectido no espelho. Levantei-me calmamente, olhei o sr. Zé e fui-me embora do barbeiro.
Hoje não cortei o cabelo, mas continuo arrepiado.

5/18/2005 

Morre Contigo

Pensar, entrar e parar
Estás a cair no erro de não te matar
Bem por dentro, junto de ti
Encontras-te longe, ou apenas aqui?

Perdido ou encontrado
Não importa nada se estás centrado
Sobre ti, ou sobre o mundo
Não ficar por menos sem ir lá ao fundo

Aceita agora que és o que não tens
E tudo o que não tens te tem a ti.
Se não tiveres, não precisas de ser.
Tu não precisas de ser nada, já o és.
Já tens tudo. Sempre tiveste

Vês no outro
O que não vês em ti
Queres-te igual
Mas isso não tem fim

O outro é diferente
E bem maleável
Para que interessa se é alterável?

Solta-te
Descontextualiza-te
Desidentifica-te
Não pertences a ti mesmo
Nada te pertence

És o que és, e continuarás a ser o que foste.
Não interessa quem és, e o que foste continuará...
Interminavelmente bloqueado sobre ti mesmo.
Morre agora, acompanhado contigo próprio.

5/17/2005 

Passeio

Abri os olhos.
Estava no chão, e a única coisa que conseguia ver no breu da noite era o vulto dos meus braços. Tinha os ossos cansados de estar naquela posição em que os tornezelos ficam em pressão com o soalho.
Lá fora estava uma noite clara, daquelas em que o céu ilumina mais do que qualquer luz artificial. Sentia-me fatigado e em erupção interior. Tinha de fazer algo; mais não seja por mim mesmo. Precisava de me assumir, estava cansado daquela situação repetitiva e daquele estilo de vida com o qual não me identificava.
Levantei-me cuidadosamente do chão na tentativa de não produzir um único som, sabia que ao dar o primeiro passo iria ouvir o chão estalar ou as mobílias ranger, odiava aqueles sons melindrosos a meio da noite e por isso avançei cuidadosamente parecendo um malabarista num truque de trapézio sem fios. Não queria que ninguém me ouvisse.
Cheguei à ponta do quarto e meti a mão na maçaneta. Agarrei-a com a mão inteira de forma a controlar por completo o mecanismo de abertura na ilusão de conseguir guardar o som produzido pela fechadura através do abafamento com a pele da palma da mão.
De punho forte inclinei a maçaneta e abri ligeiramente a porta, espreitei e, vi que o caminho estava livre. Permaneci em silêncio durante mais uns minutos por via das dúvidas não estivesse a ser ouvido. Enchi o peito e meti o pé esquerdo fora e depois o direito. Quando dei por mim tinha passado o hall e a cozinha e encontrava-me agora junto às janelas que iriam dar acesso à noite fria e libertadora.
Pensei mais uma vez: "é isto que eu quero? Estarei a tomar a decisão correcta?". Esbufetei a minha consciência e de um só movimento abri a janela e esgueirei-me lá para fora, os pêlos dos braços e pernas levantaram-se, pensei na expressão idiota "pele-de-galinha" - quem se lembrou de comparar a pele nojenta das galinhas com a nossa? Deve ter sido algum carniceiro da época medieval.
Lá fora estava um frio cortante. Agachei-me e dei passos largos em direcção ao rio sempre encostado às paredes como se assim desse menos nas vistas devido às sombras dos prédios. Ao chegar à relva acelarei passo e acabei por me esconder por detrás de um banco de jardim. Cheirava a mijo de cão e dei comigo a pensar que não sabia o que estava a fazer nem estava minimamente preocupado com o assunto. O vento varreu-me repetidamente como se estivesse a avisar para o que me tinha metido. Mais uma vez ignorei a minha cabeça e corri para ao pé das árvores, talvez lá estivesse mais abrigado. Sentei-me e enrosquei-me sobre mim próprio, não estava longe mas estava sozinho e com a dignidade intocada.
- O que vai ser de mim agora?
- "Estás fodido, rapaz. Vais ter de voltar."
- Nem morto, antes gelar aqui na relva.
- "Não sabes o que dizes palerma! É melhor calares-te que estou com fome e fico descontrolado!"
Olhei para o lado e respondi-lhe:
- És um velho mal-cheiroso, afasta-te de mim que esta árvore é minha.

O sacana-asqueroso não gostou de ouvir verdades e saltou-me para cima de boca aberta aos grunhidos, empurrei-o mas o cabrão estava possesso como se o comentário ao cheiro lhe tivesse atingido mesmo na ferida. Ainda esteve ali a espezinhar uns valentes minutos enquanto se babava no meu braço e tentava esmurrar-me, cansei-me daquela situação e fugi.

A cidade à noite não tem nada a ver com o que aparenta de dia. Parece a contra-face das compras e das idas ao cinenema transformadas em crime, degredo e bêbados mal-cheirosos. Fiquei fulo com o velho por me ter tocado, odeio aquele tipo de atitudes descontroladas e puramente parvas.
Continuei a andar sem destino e a pensar nas peripécias que iriam cruzar caminho, estava entusiasmado por ali estar e nem sabia onde estava.
Do outro lado da rua vi uma janela semi-aberta com iluminação interior, decidi entrar na esperança de me abrigar do frio, começava a ficar com os dedos gretados e os lábios secos, era melhor cuidar de mim ou ninguém o iria fazer.
Entrei cuidadosamente pela janela sem que ninguém desse pela minha presença, encontrava-me num espaço húmido e com um cheiro a comida. Deixei que os sentidos me conduzissem a um lugar confortável. Apalpei as paredes e senti o cal caír-me nos pés de tão podre. Sentia a presença de alguém mas não fazia ideia de quem, ou o estado da mesma.
Ao fundo do que parecia ser um corredor dei com um quarto, o coração acelarou vertiginosamente e senti-me um autêntico ladrão a assaltar a casa de alguém familiar. Já ali estava por isso aproveitei a coragem e passados alguns minutos agarrados à maçaneta abri a porta lentamente sem que a minha presença fosse sentida do lado de dentro.
Caminhei até ao fundo do quarto e sentei-me sobre os tornezelos como tinha hábito de fazer, doíam-me os ossos, estava cansado comigo mesmo.
Fechei os olhos.

 

Casamento

Vamos casar é oficial!

Até dá um nózinho no estômago cada vez que penso no assunto. Aliás, é a primeira vez que estou REALMENTE a pensar e a estruturar este tema no meu ser. Não que seja algo extraordinariamente invulgar ou fora-deste-mundo, mas acho que evitei pensar no casamento até realmente chegar a altura, e parece que foi hoje.
HOJE estou a pensar no casamento porque já o instaurei em mim e o comboio começou a andar.

Ontem estivemos a falar mais uma vez em como iriamos abordar o assunto com os meus pais, e fizemos imensos filmes alguns dos quais dariam boas obras épicas, mas o caso foi simples: acordei e senti que não passava de hoje, what's so special about getting married anyway?
Telefonei à minha mãe e disse-lhe que iamos casar, para grande surpresa a resposta do outro lado da linha foi "Pois, eu já sabia. Estive ontem a noite toda a pensar no assunto e nos conselhos que te deveria dar".
Toma lá que é para não seres burro! Pensas que a gaja é sonsa e vai na volta é bruxa!
A minha mãe tem-me surpreendido imenso este ano. Ou isso, ou eu estou realmente diferente e vejo-a de outra forma por eu estar diferente.

O que é especial no casamento é assumir oficialmente - num plano social - que queremos dar a conhecer a nossa face-metade a toda a famelga e amigos obscuros, isso sim tem uma importância que ultrapassa um pouco a nossa esfera íntima.
É como se estivessemos a dizer aos outros, "olha pá, já viste o que estou a fazer? gosto mesma desta gaja e não tenho medo de a levar comigo seja onde for ou de falar por mim e representar-me.. de tomar decisões por mim. É esta A mulher que quero ao meu lado nos bons e maus momentos."
Neste sentido casar é realmente importante. Sentir que confiamos noutra pessoa no matter-what é dose de cavalo.

Sinto-me muito feliz.
Por várias razões, inclusivé por estarmos a safar-nos aos meandros horríveis do casamento tradicional. Esse sacana de casamento-tradicional é um cancro na nossa sociedade e nos hábitos abomináveis enraizados na nossa cultura!

O que eu quero é simples: Festejar e ver toda a gente bem disposta!
Imageticamente falando festejar é: beber bem, comer bem, ambiente descontraído e pessoas chegadas tudo numa paródia e bom espirito. Nada de grandes formalismos ou cultos que nem sequer se conseguem explicar por se virem a repetir sem sentido.

Agora quero é dar a conhecer ao mundo a nossa felicidade e que tudo é possível se acreditarmos e houver vontade.
Parabéns a nós!

5/16/2005 

Contador + Comments

Ah, é verdade, esta merda já tem um contador no final desta página de Index e todos podem deixar um comentário absurdo quer sejam registados ou anónimos.

Bonzai!

 

Mudanças

Este fim-de-semana estivemos a fazer mudanças e a tratar da casa nova.
Na 6ª-feira carregamos tralha de casa dos meus pais (sofá, máquina de lavar roupa, stereo, etc.) e estivemos até ás tantas a arrumar algumas coisas, ainda estive a montar o móvel do escritório e ficou muito porreiro.
No sábado fomos fazer compras ao IKEA - virou culto! - e ainda corremos uma série de outros supermercados/lojas, fiquei exausto mas valeu a pena. No final do dia soube bem olhar para a casa e começar a ver as coisas a ganhar forma.
No domingo continuamos as arrumações/limpezas e neste momento o estado actual é:

HALL (Tons terra naturais):
- Falta colocar papel de parede a cobrir os azulejos rócócó;
- Encontrar móvel/sapateira
Ambiente Pretendido: Leve, arejado, claro, com tons suaves. Acho que a entrada vai ficar interessante se conseguirmos encontrar uma harmonia entre colocar algumas plantas (poucas) e um cheiro aromatizado. Criar um misto de leveza e à-vontade mal se entra, em vez daquelas entradas muito pesadas com bengaleiros e móveizinhos atarracados que habitualmente vejo.
A ideia é deixar uma entrada ampla com vista para a sala que será clara e minimalista.

COZINHA (Metal, Preto/Branco):
- Colocar candeeiro
- Comprar estores
- Comprar varão em metal para pendurar utensílios
- Comprar tachos/panelas
- Comprar fridge
Ambiente Pretendido: Fast n' Go. Pouca tralha e o mais prático possível. A cozinha é pequena portanto quanto menos coisas houverem em cima da bancada e dos electrodomésticos melhor.

SALA (Preto/Branco/Bordô):
- Comprar Móvel para TV + Stereo
- Comprar Sofá (indefinido)
- Comprar Mesa Centro
- Iluminação
- Cortinados
Ambiente Pretendido: Minimalista, clean, mas com um toque pessoal através do Bordô - como se fosse o orgão vivo de tudo o resto. Os móveis da sala e do escritório vão ter pontos em comum.

ESCRITóRIO (Verde/Branco/Cinza/Pinho)
- Comprar Mesa de trabalho/PC
- Cortinados
Ambiente Pretendido: Fresco, inspirador, convidativo a descanso e estimulo de ideias. O verde da parede é relaxante e muito fresco. Estou muito satisfeito com o aspecto actual do escritório, vai-me saber bem deitar no sofá a ler/consultar um livro ou a trabalhar no duro. A ideia do portátil começa a entusiasmar-me e a fazer sentido. Comprei hoje a stereo compacta com leitor de dvd, é um xuxu.

WC (Preto/Branco)
- Comprar cesto p/ Roupa
- Comprar toalhas de face pretas
Ambiente Pretendido: Mais uma vez queremos uma divisão equilbrada mas que espelhe conforto e estilo. No meu ver acho que estamos a atingir o objectivo ao criar um contraste entre os tons de verga do cesto da roupa e as toalhas/tapete e cortina a preto e branco. Se colocarmos umas velinas grandes ao lado da banheira vai ficar um espectaculo.

QUARTO (Multicolorido)
- Comprar Cama
- Comprar Cómoda
- Iluminação
- Cortinados
Ambiente Pretendido: O mais descontraído e colorido possível. Jogar com cores fortes e com iluminação difusa. Sinto que o quarto é a divisão mais alterável por podermos brincar com tons opostos e vivos. Quero um tapete bem farfalhudo aos pés da cama.

5/13/2005 

Foresight

It was morning. Pale, saturated and clinically white.
The cold wind washed the hair from his face and his lips were crispy and still.

The man looked away. He actually didn't know where to look at.
It was so fresh and beautiful outside. Peaceful.
His lungs were purified and the nostrils clean to receive the smell of icy water.

Having breakfast in the snow is like playing cards with fairies. Too surreal yet so dearly imaginative.
Turning forty-three makes you wonder where to stand right now.
And here he was - alone and wondering with his mind in the middle of nowhere.
Nothing changed in this land afterall.

His boots were well-firmed in the ground. Vertical and tight.
Eyes staring into oblivion, gazed from within.
He was a traveller with a cause but without destiny

Where are we heading to?

 

Fome

Quero comer-te os pés
Lamber-te os dedos
Chupar-te as orelhas
Cuspir-te na boca
- Tenho fome

Quero puxar-te as pernas
Bater-te no rabo
Apertar-te as costas
Agarrar-te os cabelos
- Tenho fome da tua carne

Quero cheirar-te o sexo
Arranhar-te a cabeça
Apertar-te o peito
Abraçar a cintura
- Apetece-me engolir-te

Quero dormir na tua boca
Morrer na tua nuca
Comer das tuas mãos
Foder a tua lingua
- Estou faminto de ti

Quero lamber-te os ossos
Engasgar-te em cabelos
Sufocar-te em saliva
Queimar-te de calor
- Estou em chamas

Quero afundar-me em ti
Correr sobre a tua pele
Escorregar no teu sexo
Devorar o teu cheiro
- Estou com fome.

 

Vómitos de Angústia

Mãos porcas apertam com força a boca o nariz e os olhos.
Uma mordaça e um punho cerrado.
Empurrão violento contra o canto e dois pontapés nos rins.
Gritos de dor.
Agarra os cabelos e queima-os enquanto puxa e ri.
Cuspidela no peito.
Masturba-se e olha a outra pessoa em sofrimento.
Esfrega o sémen nas calças e avança com olhos embriagados e a breguilha aberta.
Roça-se e dança entre a parede e o outro corpo.
Ri-se consigo próprio e range os dentes de raiva e prazer.
Punho fechado bate com força na cabeça.
Gritos de raiva e nojo.
Dá-lhe a cheirar a mão esporrada e suja
Um murro bem no meio do nariz
Apalpadelas e beliscões na barriga e rabo
Gritos de desespero.
Impotência muda.
Cheiro a suor e sexo
Vómitos de angústia.
Força. Imposição. Poder.
Outra investida com as mãos asquerosas
Punho fechado bate com força na cabeça.
Outra dança porca
Ri-se consigo próprio e range os dentes de raiva e prazer.
Nojo de ser vivo
Repugnância de ser humano
Vómitos de angústia.
Vómitos de angústia.
Vómitos de angústia.
Impotência muda.
Dá-lhe a cheirar as mãos esporradas
O estômago contorce-se e as tripas viram-se
Repugnância de ser humano
Nojo de sentir
Punho fechado bate com força na cabeça.
Vómitos de angústia.
Vómitos de angústia.
Vómitos de angústia.
Ri-se consigo próprio e range os dentes de raiva e prazer.
Uma mordaça e um punho cerrado.
Força. Imposição. Poder.
Nojo de ser vivo
Medo de sentir

5/12/2005 

Solidão V2.0

Ultimamente tenho-me sentido sozinho.

Uma solidão diferente daquela que conhecia por não ser desesperante ou incomodativa, é uma solidão vazia, sem sentido, sem razão. Deixa-me atento ao que se passa à minha volta - às pessoas, sinais e comportamentos - e faz-me ver melhor o que quero e se estou a proceder de forma sensata. Esta solidão faz-me um pouco mais intuitivo e menos dado a actos mecânicos desprovidos de sensação ou causa.
É uma solidão pacifica comigo e consequentemente com quem me rodeia pois sinto que aprendi a aceitar as pessoas à minha volta.

Acho que vou começar a ler mais e a passar mais tempo comigo mesmo. Isto não é sinónimo de isolamento, meramente de uma solidão nova que passa a ser parte integrante do meu ser, como se entendesse finalmente que tudo passa por mim e que dependo apenas de mim e daquilo que quero e faz mover a minha vontade.
De certa forma é um retorno aquilo que era, mas de uma forma mais matura e sofisticada. Mais inteligente também.
No meio de tantas mudanças na minha vida - todas parecem ser um passo natural num caminho indefinido - acho que me esqueci como se passa tempo sozinho, tenho tido o previlégio de ter sempre alguém ao meu lado. É uma necessidade, admito.

Já não perco tempo com sensações de angústia, perda, valor, medo, reconhecimento, enfim, tudo aquilo que me possa afectar minimamente tento observar de fora e compreender que são sentimentos passageiros, que não me devo identificar e deixar o sentimento por si só dissipar. Se não alimentarmos a paranóia ela deixa de existir. E melhor ainda, quando essa "paranóia" desaparece tomo consciência do absurdo que era.

Ontem estava na casa-de-banho com a Re a limpar umas calças, e às tantas ela diz "tu não te importas muito com a roupa, não é..." e aquela frase entrou dentro de mim porque pensei, "eu não me importo muito com nada". Fiquei calado porque não queria que ela sentisse que não me importo com ela, pois na realidade importo, só que é dificil de explicar este sentimento. Penso que ela sabe como sou e me compreende, e penso que (ela) é igualmente uma pessoa individualista.

Sentir-me sozinho afasta-me de quem amo mas deixa-me numa posição em que sei amar melhor. *
Fico também melhor comigo mesmo.

* Ontem li uma passagem de um livro do Miguel Estevez Cardoso em que ele falava do 1º amor, e referia-se precisamente a este tipo de assunto: que o 1º amor é sempre louco e desvairado, e cheio de baboseiras e actos simplesmente deliciosos. Mas só depois de haver esse 1º amor, ou 2º amor, ou uns quantos amores, é que se começa a saber amar realmente. Porque se compreende que gostar de uma pessoa é mais do que fogo de vista.

5/09/2005 

Danças com Livros

Este fim de semana voltei a Montemor-o-Novo para ir ter com a Re. A viagem tanto de ida como volta foi um descanso: rápida, sem paragens, os 100 kms fizeram-se em apenas uma audição de um lado de uma k7 de 90 mns (that is: 45 mns, uh I'm smart!), que neste caso foi "Sin/Pecado" dos Moonspell, album interessante diga-se... Liricamente simples, mas com uma mensagem consistente e musicalmente diverso e "arriscado". Sim, é isso, arriscado.

O "Danças com Livros" (5ª edição) correu bem. Melhor do que aquilo que esperava, para ser honesto.
Os debates e exposições foram interessantes, coerentes e a produção do evento foi no geral muito positiva e criativa. Os técnicos foram visivelmente sobrecarregados, mas isso é outra história. O espaço foi bem aproveitado, com diversas projecções video em recantos e paredes, o que me agradou por existir aquela sensação de estar no meio da multidão, mas existir espaço para uma análise pessoal singular; o que é óptimo para não haver uma influência do colectivo numa fase previa ao contemplamento da obra.
Os claustros e o espaço circundante foram convertidos num local lúdico dedicado às artes em geral - com maior incidência nas performativas e literárias - e à cultura em particular. As diversas salas foram constantemente renovadas para recolher ora debates, exposições ou danças. Cá fora uma pequena feira do livro levado a cabo pela Fonte de Letras (livraria local) e uns deliciosos bolos e chás do salão-de-chá Chazz - serviço 5 estrelas.
Iguarias e ambiente não faltou para alimentar a alma.

O concerto dos Oqstrada juntamente com a instalação Flatland foram o highlight de 6ª-feira que infelizmente não assisti, mas parece ter causado furor.
No sabado gostei especialmente da sessão de lançamento do livro/instalação "Comer o Coração" de Vera Montero e Rui Chaves. Conceito forte, estética retro minimalista, num misto de instinto primal depositado numa arquitectura fria e vanguardista, muito science-fiction futurista. A Vera despertou-me interesse em explorar os outros trabalhos dela, a expressividade corporal e entrega presentes no video mostravam uma pessoa integra, sem medo de se mostrar e com conhecimento de causa. Isto é, sabe distanciar a quadrilogia interdimensional de: arte-autor-performer-obra. O design da instalação estava muito bem conseguido.
A noite de sabado acabou entre copos e galhofa... Champanhe, capirinha, vinho, o que veio à rede marchou. O pessoal estava todo bem disposto e o trabalho estava a correr bem, é bom haver momentos de descontracção assim once in a while.

Domingo acordei dividido com um sentimento estranho de atracção/irritação, que acabou por ser lavado do corpo depois de um duche e um pequeno-almoço com livros a ouvir falar sobre cozinha oriental - woks, salteados, bolinhos do Chazz e leitura da Umbigo, really nice mood. Adoro estar ao ar livre de manhã com o cabelo e corpo fresco; é uma merda não ter paciência para tomar banho de manhã antes de ir trabalhar. Parece-me tempo desperdicado.

Hah! E já quase me esquecia... Não é que estava a tocar o CD de Coco Rosie em repeat nos claustros? Fiquei estupefacto! Como é que merdas daquelas folk-pop-kitsch-naif-acoustic-hiper-subterrâneas aparecem em Montemor no meio de um pequeno-almoço? Tinha a música in the back of my head durante n tempo e de um momento pr'o outro - PAH! - atingiu-me o nome: Coco Rosie. Catano! Ainda bem que fiz uma cópia.

De seguida assistimos a 3 curtas-metragens, todas elas algo... Incompletas. Não sei o que se passa com o cinema português, sinceramente não sei. Vejo selos do ICAM colados em filmes que realmente não entendo onde pretendem chegar. 25 de Abril? Outra vez 25 de Abril? Epá, deixem de bater no ceguinho, sinceramente... Alguém ainda quer ver histórias sobre o 25 de Abril? Spare me.

Mais tarde demos uma voltinha para apanhar ar e deitamo-nos num género de terraço a apanhar sol... Maravilha das maravilhas. Estava literalmente "iluminado" de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Deixei-me sugar por completo pelos sentidos, ser atingido pelo Sol-de-ferro que sentia entrar nos poros e prefurar a pele, dilatar os poros. O cheiro maravilhoso do chão acimentado a ferver e dos cabelos da Re, o som multidireccional da natureza, a vontade de ser e estar apenas por mim, para mim, que tudo o resto é um desperdício se não houver uma razão maior: o EU... Chorei.
Estava em harmonia. Sentia-me profundamente feliz por dentro e por fora. Vazio e preenchido simultaneamente. Caí. Soube imensamente bem ser um vector para sentimentos tão puros e genuinos. Foi único. É indiferente estar morto ou vivo estando naquele estado, tudo vale a pena, tudo faz sentido, tudo é tão limpo e sincero naqueles momentos.
A Re foi uma querida, gostava de a puder ajudar em determinadas questões pessoais que tem de ser ela mesma a resolver, para mim é tudo tão claro em relação a ela. É quase desonesto estar tão próximo de uma pessoa e compreender que não é através de imposição secundária que se chega a algum lado (falamos os 2 sobre isto, mas noutro contexto). A resposta directa a um problema pessoal não vem do Outro, tem de vir de dentro, apesar de se conseguir ver no Outro e transpor/identificar connosco.
Entendo agora o porquê dos pais "quererem o melhor" para os filhos sem estarem a perceber que eles próprios exercem uma atitude fascizóide por não os deixarem chegar lá por eles mesmos. Nesse erro não vou caír pois sou um exemplo vivo do que acabei de escrever, irei caír noutros erros por pensar que estou a a escapar a este.
Como é irónico termos a capacidade imediata de ver isso nos outros e ser tão dificil olhar sobre nós próprios.
Temos realmente de começar um processo de identificação e re-descoberta exterior porque a nossa aparência não é o nosso interior por muito que possamos pensar.

Ainda no domingo assistimos a um debate em formato passa-a-palavra de nome "É a Cultura, Estúpido!", liderado por Anabela Mota Ribeiro, a minha jornalista de eleição da televisão portuguesa (a gaja tem bom gosto e não se cansou de falar num tal de Nelson Rodrigues, escritor brasileiro). Teve o seu interesse, mas não passou da cepa torta, foi pena o Ricardo Araújo Pereira do "Gato Fedorento" se ter borrifado e não ter aparecido porque todos esperavamos largar umas gargalhadas.

Fomos buscar o jantar à vila 2 vezes, e em ambas senti finalmente que estava com "a minha mulher". Bolas, custou mas valeu a pena esperar!
Gostava de elucidar mais sobre este sentimento mas realmente não encontro forma, é algo muito pessoal e que por alguma razão obscura não encontro explicação para gostar de sentir essa segurança. O engraçado é que é isso acontece nos momentos menos apropriados e nunca consigo identificar essa segurança na altura, apenas posteriormente quando faço uma recapitulação dos acontecimentos.

O final da noite foi o zenith total. Uns tais de Corsage foram fazer o fecho do evento e estava tudo desejoso de libertar a tensão acumulada durante a construção do mesmo. Esperava um som étnico cheio de berloques e cócós e afinal não passavam de uns rock-a-billies com pinta de jazz e uns arranjos muito pop do final dos anos 60. Foi cómico ver as diferentes pessoas a dançarem e a soltarem-se das suas funções.
A vontade de libertação era tal que a banda ficou perplexa ao ver um monte de malucos a abanar o esqueleto à passagem de um ritmo um pouco mais acelarado. Se o front-man estava encaralhado e sem jeito no intervalo das músicas, depressa se apercebeu que era o único assim na sala e não havia motivo para tal, acho que o concerto foi totalmente bi-direccional, com uma participação tão forte da plateia (cerca de 40 pessoas) como da própria banda. Até eu dei um passinho de dança.o que foi uma lição brutal no sentido social da coisa. Ainda estou a digerir.

No meio de alguma hesitação acabei por dormir em Montemor e sair às 5:30 para vir trabalhar. A Re dormiu que nem uma pedra e eu para contrastar estava tão preocupado em "descansar" que mal perguei olho, típico desta cabeçinha. Mas valeu a pena ter ficado, a Renata disse-me das melhores coisas que alguma vez me disseram: que a faço sentir livre.
A viagem foi óptima e o pequeno almoço à chegada foi uma delícia. Que venham mais fins-de-semana assim!

5/05/2005 

Especial

Nascemos todos com a sensação inata de que somos especiais ou temos algo dentro de nós que é especial e diferente de tudo o resto?
Já sentis-te isto, ou sentes actualmente?

É parecido com uma sensação de infância, como um pequeno tesouro guardado bem lá no fundo onde ninguém nem nada consegue chegar ou entender.
Eu por exemplo já não sei se estive realmente na presença de seres alienigenas ou é pura invenção minha.
Quando somos crianças vemos o mundo de uma forma PRÓPRIA, e penso que esse sentimento de ser especial está mais presente. Crescemos e por uma razão qualquer começamos a ser um monte de "pessoas".
O que é feito das nossas primeiras memórias, daquelas mais puras e inocentes? Lembras-te da primeira vez que subis-te uma árvore? Lembras-te da tua primeira namorada/o (aquela/e da pré-primaria)? Lembras-te de dormir sozinho, na tua 1ª cama? Lembras-te dos filmes que viste na tua infância? Da primeira vez que foste ao cinema? Lembras-te do tempo que passas-te com os teus avós? Das cadernetas de cromos ou dos animais de estimação, ou dos escuteiros, ou da casa de férias...?

Lembras-te de como eras na altura?
Era bom?

E agora...? O que és? O que tens? O que representas? Onde estás?
Olha-te de fora e diz-me o que vês. Sinceramente... O que vês de ti? Se fosses um desconhecido o que dirias de ti próprio? Gostas de ser assim?

Especial em quê?
Especial no quê?
Especial quando?

 

Teoria da Energia (5)

Hoje custou-me levantar da cama mas sinto-me feliz (razão desconhecida).
Começo a desenvolver uma teoria com origem na física-quântica - ou pelo menos parece reger-se de acordo com os mesmos príncipios - que consiste no seguinte:

1 - Os átomos ou partículas que se movem no ambiente em que vivemos equivalem às celulas ou microorganismos internos do ser humano. A função que exercem é a mesma, mas em ambientes diferentes.
2 - A fricção e dinâmica causada por factores espaciais e naturais faz com que estas particulas se movimentem e gerem energia, estimulando-se continuamente entre si. Tal como no funcionamento do organismo humano onde os orgãos e células funcionam de forma interdependente.
3 - Energia é sinónimo de vida, e vitalidade é causa de satisfação quer externa quer interna.
4 - Resumidamente: o ser humano deve procurar fugir à inercia se procura satisfacção diária, pois esta advém indirectamente de uma agitação/fricção/dinâmica pessoal do individuo no meio onde se insere. Esta inter-relação é natural e não invalida a satisfação por outros meios.
5 - Conclusão: Energia gera energia, que quando contemplada é um esforço bem empregue e que estimula o organismo humano e os que o rodeiam. Energia é vida.

Resumi esta pequena teoria em 5 pontos fulcrais, e devo fazer um apontamento particularmente interessante: hoje é dia 5 do mês 05, do ano '05, e é também 5ª-feira. Hoje às 17:55.55 iremos presenciar uma quantidade de 5s astronómica. Quantas vezes é possível admirar este fenómeno temporal?
Parece uma armadilha montada pelo próprio homem para se auto-limitar e divertir. Como se andassemos constantemente em círculos sobre nós mesmos.
... O que me faz reflectir sobre este número e recolher um pouco de investigação sobre o mesmo que passo a transcrever:

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"The number '5' has always been regarded as mystical and magical, yet essentially 'human'.
+ We have five fingers/toes on each limb extremity.
+ We commonly note five senses - sight, hearing, smell, touch and taste.
+ We perceive five stages or initiations in our lives - e.g.. birth, adolescence, coitus, parenthood and death. (There are other numbers/ initiations/stages/attributions).
+ The number 5 is associated with Mars. It signifies severity,conflict and harmony through conflict.
+ In Christianity, five were the wounds of Christ on the cross.
+ There are five pillars of the Muslim faith and five daily times of prayer.
+ Five were the virtues of the medieval knight - generosity, courtesy, chastity, chivalry and piety as symbolized in the pentagram device of Sir Gawain.
+ The Wiccan Kiss is Fivefold - feet, knees, womb, breasts, lips, "Blessed be".
The number 5 is prime. The simplest star - the pentagram- requires five lines to draw and it is unicursal; it is a continuous loop.
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5 – (Five) - METAPHYSICALLY a “river” represents vital force. Human beings are the container of this force, as a “garden” symbolizes the body. The river of Genesis 2:10-14, described under number 4, represents the flow of humanity itself throughout the earth, which divides and divides until it covers all the earth. The 5 is the number of humanity with our five developed senses. The five senses are introduced in the early chapters of Genesis to indicate that the senses are essential in human creation; and therefore 5 is the number of humanity. Five plays an important part in the story of David and Goliath, “...and David chose five smooth stones out of the brook” and “David took a stone and smote the Philistine (Goliath) in the forehead. The stone sunk into the forehead and he fell to the ground, (I Samuel 17:40). The five stones represent the spiritualization of David’s senses. David believed in the indwelling God of love and had learned to depend upon the spiritual power within himself. According to a mystical legend, when David touched the five stones they became Old as one stone, thus combining the total powers of his senses. The name Testament Goliath means material power; thus the story is meant to demonstrate the power of the spiritual over the material.
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5/04/2005 

Musicalidade Nula

Jogar num tabuleiro sem peças
Convidar um Joker sem sorriso

Beber da garrafa com rótulo interior
Vomitar de fora para dentro

Olhar cuidadosamente sem conseguir ver
Comunicar sem linguagem

Descobrir estando sentado
Percorrer a Terra sem fronteiras

Pendurar a Moldura vazia na parede esculpida
De frente para uma Porta trancada por dentro

Forte implosão exterior
Esperar que unhas cresçam para dentro

Acender uma vela debaixo do Sol
Acender uma vela debaixo da Chuva

Estar perdido e contente
Mas saber o que não se quer

5/03/2005 

Montemor

A 100 e picos kms de Lisboa tive um pesadelo daqueles que parece que só acontecem aos outros. Um fulano andava atrás de mim para me matar com uma chave de fendas enorme na mão. Um homem de meia-idade, um pouco gordito, de óculos e com uma convicção absurdamente calma e de ódio profundo. A mente é realmente fodida porque o andar calmo e os olhos penetratantes do Homem correspondem 100% com a forma que eu escolheria para matar alguém que odiasse... Teria o mesmo tipo de atitude, aquela do "podes ir fugindo mas quando te apanhar espeto-te esta merda no peito com tanta força que hei-de ver-te engasgar no próprio sangue". E era isso que me assustava, o não saber quando o gajo ia aparecer, de onde ia aparecer e pior ainda: que não hesitava pois não tinha nada a perder. O cabrão do mercenário agia como se aquilo fosse a única coisa a fazer na vida.
O interessante foi essa sensação de empurrar-me a mim mesmo contra a parede, como se estivesse a pedir que algumas merdas fossem resolvidas de uma vez por todas. E a minha postura era sempre: "se este gajo vem na minha direcção deixa-o vir, que vou fazê-lo mudar de ideias". Mas era mentira... Por muito que agarra-se a chave de fendas com força ou o empurra-se para trás, ele continuava a caminhar ao bom género robótico do T2.
Quem diria, eu a sentir-me com "remorsos"... Nem sou Eu, é a puta do Inconsciente a querer apertar-me como se estivesse a suspirar "vá lá, resolve isso e deixa-me escapar cá para fora para nos divertirmos um pouco".
Às tantas, encontro-me a tomar um banho - aquela coisa deliciosa que leva o seu tempo e privacidade - e sinto a presença do Homem. Foda-se! Logo no local que tanto estimo, a casa-de-banho! Vai daquela, salto da banheira para cima dele com toda a força, como quem diz "desta vez ataco eu, para não ser atacado!".. E no meio daquela agitação e terror sou acordado pela minha mulher que estava deitada cara-a-cara comigo. Por momentos ainda sinto a respiração altiva e acelarada...

Neste mesmo fim-de-semana resolvi o problema do Homem. Entendi quem era o gajo. Um misto de avô não-presente e de pai de ex-namorada com sentirmento de encornado (ou melhor ainda, de responsa por ter de voltar a tomar conta da mesma).

Resolvi parcialmente a coisa. E a resposta é sempre a mesma: sinceridade.
Tenho de uma vez por todas de adoptar a sinceridade total comigo mesmo como um culto religioso convicto! Não irei ter medo de magoar ninguém pois se for sincero comigo serei sincero com os outros e estes irão compreender se me aceitarem. Se não aceitarem, though luck.

Memories come back to haunt you.

A geração é uma onda do mesmo mar
Com temperatura, escala e tempo diferente
Mas com a mesma composição
E persistentemente com a mesma natureza - o retorno!