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5/09/2005 

Danças com Livros

Este fim de semana voltei a Montemor-o-Novo para ir ter com a Re. A viagem tanto de ida como volta foi um descanso: rápida, sem paragens, os 100 kms fizeram-se em apenas uma audição de um lado de uma k7 de 90 mns (that is: 45 mns, uh I'm smart!), que neste caso foi "Sin/Pecado" dos Moonspell, album interessante diga-se... Liricamente simples, mas com uma mensagem consistente e musicalmente diverso e "arriscado". Sim, é isso, arriscado.

O "Danças com Livros" (5ª edição) correu bem. Melhor do que aquilo que esperava, para ser honesto.
Os debates e exposições foram interessantes, coerentes e a produção do evento foi no geral muito positiva e criativa. Os técnicos foram visivelmente sobrecarregados, mas isso é outra história. O espaço foi bem aproveitado, com diversas projecções video em recantos e paredes, o que me agradou por existir aquela sensação de estar no meio da multidão, mas existir espaço para uma análise pessoal singular; o que é óptimo para não haver uma influência do colectivo numa fase previa ao contemplamento da obra.
Os claustros e o espaço circundante foram convertidos num local lúdico dedicado às artes em geral - com maior incidência nas performativas e literárias - e à cultura em particular. As diversas salas foram constantemente renovadas para recolher ora debates, exposições ou danças. Cá fora uma pequena feira do livro levado a cabo pela Fonte de Letras (livraria local) e uns deliciosos bolos e chás do salão-de-chá Chazz - serviço 5 estrelas.
Iguarias e ambiente não faltou para alimentar a alma.

O concerto dos Oqstrada juntamente com a instalação Flatland foram o highlight de 6ª-feira que infelizmente não assisti, mas parece ter causado furor.
No sabado gostei especialmente da sessão de lançamento do livro/instalação "Comer o Coração" de Vera Montero e Rui Chaves. Conceito forte, estética retro minimalista, num misto de instinto primal depositado numa arquitectura fria e vanguardista, muito science-fiction futurista. A Vera despertou-me interesse em explorar os outros trabalhos dela, a expressividade corporal e entrega presentes no video mostravam uma pessoa integra, sem medo de se mostrar e com conhecimento de causa. Isto é, sabe distanciar a quadrilogia interdimensional de: arte-autor-performer-obra. O design da instalação estava muito bem conseguido.
A noite de sabado acabou entre copos e galhofa... Champanhe, capirinha, vinho, o que veio à rede marchou. O pessoal estava todo bem disposto e o trabalho estava a correr bem, é bom haver momentos de descontracção assim once in a while.

Domingo acordei dividido com um sentimento estranho de atracção/irritação, que acabou por ser lavado do corpo depois de um duche e um pequeno-almoço com livros a ouvir falar sobre cozinha oriental - woks, salteados, bolinhos do Chazz e leitura da Umbigo, really nice mood. Adoro estar ao ar livre de manhã com o cabelo e corpo fresco; é uma merda não ter paciência para tomar banho de manhã antes de ir trabalhar. Parece-me tempo desperdicado.

Hah! E já quase me esquecia... Não é que estava a tocar o CD de Coco Rosie em repeat nos claustros? Fiquei estupefacto! Como é que merdas daquelas folk-pop-kitsch-naif-acoustic-hiper-subterrâneas aparecem em Montemor no meio de um pequeno-almoço? Tinha a música in the back of my head durante n tempo e de um momento pr'o outro - PAH! - atingiu-me o nome: Coco Rosie. Catano! Ainda bem que fiz uma cópia.

De seguida assistimos a 3 curtas-metragens, todas elas algo... Incompletas. Não sei o que se passa com o cinema português, sinceramente não sei. Vejo selos do ICAM colados em filmes que realmente não entendo onde pretendem chegar. 25 de Abril? Outra vez 25 de Abril? Epá, deixem de bater no ceguinho, sinceramente... Alguém ainda quer ver histórias sobre o 25 de Abril? Spare me.

Mais tarde demos uma voltinha para apanhar ar e deitamo-nos num género de terraço a apanhar sol... Maravilha das maravilhas. Estava literalmente "iluminado" de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Deixei-me sugar por completo pelos sentidos, ser atingido pelo Sol-de-ferro que sentia entrar nos poros e prefurar a pele, dilatar os poros. O cheiro maravilhoso do chão acimentado a ferver e dos cabelos da Re, o som multidireccional da natureza, a vontade de ser e estar apenas por mim, para mim, que tudo o resto é um desperdício se não houver uma razão maior: o EU... Chorei.
Estava em harmonia. Sentia-me profundamente feliz por dentro e por fora. Vazio e preenchido simultaneamente. Caí. Soube imensamente bem ser um vector para sentimentos tão puros e genuinos. Foi único. É indiferente estar morto ou vivo estando naquele estado, tudo vale a pena, tudo faz sentido, tudo é tão limpo e sincero naqueles momentos.
A Re foi uma querida, gostava de a puder ajudar em determinadas questões pessoais que tem de ser ela mesma a resolver, para mim é tudo tão claro em relação a ela. É quase desonesto estar tão próximo de uma pessoa e compreender que não é através de imposição secundária que se chega a algum lado (falamos os 2 sobre isto, mas noutro contexto). A resposta directa a um problema pessoal não vem do Outro, tem de vir de dentro, apesar de se conseguir ver no Outro e transpor/identificar connosco.
Entendo agora o porquê dos pais "quererem o melhor" para os filhos sem estarem a perceber que eles próprios exercem uma atitude fascizóide por não os deixarem chegar lá por eles mesmos. Nesse erro não vou caír pois sou um exemplo vivo do que acabei de escrever, irei caír noutros erros por pensar que estou a a escapar a este.
Como é irónico termos a capacidade imediata de ver isso nos outros e ser tão dificil olhar sobre nós próprios.
Temos realmente de começar um processo de identificação e re-descoberta exterior porque a nossa aparência não é o nosso interior por muito que possamos pensar.

Ainda no domingo assistimos a um debate em formato passa-a-palavra de nome "É a Cultura, Estúpido!", liderado por Anabela Mota Ribeiro, a minha jornalista de eleição da televisão portuguesa (a gaja tem bom gosto e não se cansou de falar num tal de Nelson Rodrigues, escritor brasileiro). Teve o seu interesse, mas não passou da cepa torta, foi pena o Ricardo Araújo Pereira do "Gato Fedorento" se ter borrifado e não ter aparecido porque todos esperavamos largar umas gargalhadas.

Fomos buscar o jantar à vila 2 vezes, e em ambas senti finalmente que estava com "a minha mulher". Bolas, custou mas valeu a pena esperar!
Gostava de elucidar mais sobre este sentimento mas realmente não encontro forma, é algo muito pessoal e que por alguma razão obscura não encontro explicação para gostar de sentir essa segurança. O engraçado é que é isso acontece nos momentos menos apropriados e nunca consigo identificar essa segurança na altura, apenas posteriormente quando faço uma recapitulação dos acontecimentos.

O final da noite foi o zenith total. Uns tais de Corsage foram fazer o fecho do evento e estava tudo desejoso de libertar a tensão acumulada durante a construção do mesmo. Esperava um som étnico cheio de berloques e cócós e afinal não passavam de uns rock-a-billies com pinta de jazz e uns arranjos muito pop do final dos anos 60. Foi cómico ver as diferentes pessoas a dançarem e a soltarem-se das suas funções.
A vontade de libertação era tal que a banda ficou perplexa ao ver um monte de malucos a abanar o esqueleto à passagem de um ritmo um pouco mais acelarado. Se o front-man estava encaralhado e sem jeito no intervalo das músicas, depressa se apercebeu que era o único assim na sala e não havia motivo para tal, acho que o concerto foi totalmente bi-direccional, com uma participação tão forte da plateia (cerca de 40 pessoas) como da própria banda. Até eu dei um passinho de dança.o que foi uma lição brutal no sentido social da coisa. Ainda estou a digerir.

No meio de alguma hesitação acabei por dormir em Montemor e sair às 5:30 para vir trabalhar. A Re dormiu que nem uma pedra e eu para contrastar estava tão preocupado em "descansar" que mal perguei olho, típico desta cabeçinha. Mas valeu a pena ter ficado, a Renata disse-me das melhores coisas que alguma vez me disseram: que a faço sentir livre.
A viagem foi óptima e o pequeno almoço à chegada foi uma delícia. Que venham mais fins-de-semana assim!