1/25/2006 

Quinto Império

O Quinto Império é um desejo de concretização. Nada mais.
Uma Ilusão perfeitamente camuflada de esperança e misticismo que embarca a nostalgia da saudade e o derrotismo patriótico da democracia.

Pessoa era um génio de mãos-atadas sobre si mesmo. Profundamente consciente das fórmulas do triunfo mas longe de se sentir ser o escolhido para as colocar em acção. Os sentimentos não o deixavam. Mas as palavras movem-nos a todos... Até lado nenhum.
O desejo de mudança, reviravolta e frescura da reinvenção e novidade assolam todos e qualquer um, contudo ninguém dá o primeiro passo pois é bem mais padronizado ficar de pé, parado, e atirar a primeira pedra e refilar para o ar o descontentamente e contestação.

Chega de subjugação e passividade
Chega de diferença, indiferença e opostos
Chega de raciocinio e lógica

Sei que agora, no depósito vão destas palavras, nada muda a curto, médio ou longo prazo. Pois a vontade é curta e esgota-se num outro propósito temporário e distractivo. Num desejo esgotável.Todos procuramos mudanças reais e palpáveis, alterações na estrutura em que caminhamos e nas mentes com quem nos comunicamos. Estamos cansados da vida actual. Das conversas premeditadas e olhares vazios. Não se acredita mais em amor, família, política ou trabalho. Quer-se ir a algum lado e não se sabe onde. Nenhum destes conceitos é actual e no entanto perdura, gerando conflicto interior e exterior, aleatoriamente. É necessário deixar a fronteira física de parte e sugar livremente um desejo de vagueio intemporal e imaginativo. Inspirar ar e quem merece ser inspirado.

Proponho liberdade consciente e com base na verdade. Um regresso ao básico desvinculado de complexificações, medos e esperanças. Uma força que capaz de gerar mudanças, ainda que não Lusitanas.

O Quinto Império é espiritual, psíquico e concretizável.
Estamos cá para abraçar a ideia de uma cultura individual, colectiva e expansiva.

1/13/2006 

The Wall

Estou em crise.
O meu crescimento foi deveras fora do vulgar. Sempre aceitei de bom grado e vi como uma mais valia o facto de ter crescido afastado de um grupo de amigos grande, de festas, saídas à noite e um contacto com o social alargado. No meu ver, sempre tive conhecimentos adquiridos em duplicado por ter passado tempo comigo mesmo, tempo para me conhecer (a ler livros interessantes, ver filmes, escutar imensa música - tudo de natureza obscura e alternativa aos circuitos mainstream e populares...). Distanciei-me. Isto ajudou-me a saber quem era, ou a construir algo em que acreditar para ganhar confiança para a vida. Por outro lado, desperdiçei uma outra vivência com a qual não me identificava e com a qual não sentia necessidade de viver. Não acreditei em outra forma de estar e considerei rídiculo quem se iludia com grandes noites de copos e não se confrontava consigo mesmo. Achava mesmo imaturo pois sabia que mais tarde ou mais cedo essas pessoas seriam forçadas, de uma forma mais dolorosa, a fazer o mesmo que eu.
Contudo, nunca imaginei que eu teria de fazer o processo inverso. E que só conhecendo ambos os caminhos posso aniquilar ambas as formas de estar.

Cresci.
Acontece que sempre que necessitei de produzir algo no real - profissionalmente, academicamente, whatever - sempre o fiz tendo como base um refugio pessoal. O mesmo no qual aprendi a crescer e conviver. O meu casulo. A minha maneira de fazer as coisas.
Sempre que precisei de fazer um trabalho dependia somente de mim mesmo e estava fechado a opiniões exteriores. Responsabilizo-me pelo que faço. Quem sabe MELHOR o que é necessário alcançar do que EU mesmo? Sempre recusei opinião exterior na produção de algo pessoal. Faço o que tenho a fazer, de forma despegada. Assimilo, executo, e deposito o resultado. Volto à minha esfera e continuo. Sou extremamente EXIGENTE comigo mesmo. Sei o que quero e como obtê-lo. Sou realista. Mas não sou realista quando chega ao ponto de CONCRETIZAÇÃO. Tenho uma tendência para criar uma barreira firme e instrasmissivel entre aquilo em que acredito e a sociedade vigente. E como tal, muitas vezes é real para mim algo que foi apenas pensado ou experienciado. E na verdade, não existem provas físicas que me comprovem o mesmo. Compreendi finalmente a necessidade do crucifixo para materializar a fé. Faço o mesmo, mas sempre ignorei a necessidade de uma comprovação física que reafirma uma interior.
Quando é necessário produzir algo retomo ao meu casulo, invoco um estado de espirito especifico (leia-se: especial) e trabalho comigo mesmo. O que habitualmente SAI cá para fora é no mínimo invulgar e como tal faz a diferença. Sinto-me BEM e aliviado por isso. A expurgação traz paz e crescimento.

Actualmente, vejo-me num ponto da minha vida em que por razões que desconheço preciso extravazar a fronteira que eu próprio criei entre mundo interior e exterior. Sempre acreditei que uma coisa não era compatível com a outra e como tal gerei um gap entre as duas realidades: inwards e outwards. Isto tinha as suas vantagens, pois tudo se transformava em algo com identidade própria, e tinha as desvantagens de cada criação ser uma acto isolado e que dificilmente vivia para além de um curto espaço de tempo. Na realidade, o trabalho consistia em FAZÊ-LO - no trabalho em si - e não em expô-lo ou ganhar aceitação e afirmação no exterior. Caso dos textos que escrevi, das fanzines que elaborei, das fotos que tirei ou dos quadros que pintei. Tudo isso parece que foram criações que apesar de físicas nunca existiram realmente out there. O que é feito de tudo isso? Só eu conheço, o feedback é pouco ou nulo... O que me adianta para além de auto-satisfação?
As transformações que sofri, o crescimento e vida adulta fazém com que seja insuportável continuar a distanciar os dois mundos. Sinto uma necessidade crescente e agoniante de fundir o meu mundo interior e as minhas ideias com o meu estilo de vida corrente. O problema nasce aqui: nesta falta de confiança num entendimento entre os dois mundos. Não tenho provas comprovadas que seja possível e aceitável ser 100% verdadeiro no mundo social (do trabalho e convivência) e esvaziar as minhas ideias invulgares e comentários acutilantes a toda a hora. Sinto falta de confiança.
Não tenho incapacidade em fazer o que tenho para fazer pois as coisas brotam involuntariamente. Não sinto receio em me expor. Pelo contrário, é um desafio magnifico. Pior que isso: vejo-me com medo de não ser aceite ou a coisa não funcionar e desmoronar toda a estrutura e sistema que construi até agora. Quando falo nisto sinto-me um adolescente naquelas crises idiotas e dramáticas de aceitação. Logo eu que nunca quis ser aceite e me orgulhava de tal.
Compreendo agora que tudo aquilo que defendi como o que tinha de mais querido: o meu mundo interior, imaginativo e esquizofrénico, está a ser um impedimento para que consiga transformar-me naquilo que acredito e quero para mim: ser uma obra de arte viva e ininterrupta.
Em tudo o que faço acredito ser possível fazê-lo de forma ritualista, com um significado superior e fruto de uma BELEZA derivada de uma sensibilidade e percepção que nasce na interacção do mais profundo intimo do inviduo com o real. Quero que isto seja feito de forma natural. 24 horas por dia. E que não existam interrupções por estar a trabalhar, por tratar alguém de forma diferente, por criar impedimentos que só me oprimem.

Projecto neste momento, através destas palavras, um desejo de aniquilar a fronteira entre interior e exterior. Acredito ser possível criar e reinventar o meu estilo de vida. Preciso destas mudanças para me sentir bem comigo mesmo e ser útil. Para EVOLUIR.
Tudo aquilo que tentei preservar estou agora a pedir que seja exposto e que tenha feedback. Vou tentar progressivamente depositar mais vestigios e obras no decorrer do tempo. Vou deixar que as minhas produções sejam abertas a opiniões e sugestões. Para ser eu próprio non-stop preciso crucialmente (e cruelmente) de ser natural e ver-me como apenas a outra face da mesma moeda com a qual sinto antipatia. Que a arte obscura que cultivo está aberta a qualquer pessoa independentemente de haver quem a entenda e outra grande parte que não a aceita. Vou precisar de PARTILHAR para ir buscar força e raiva e inspiração na NÃO-ACEITAÇÃO tal como o fiz no passado através dos meus pais, autoridades ou religião.
Não quero que a arte seja universal. Mas quero que esteja acessível a TODOS.
Não me compete a mim preocupar-me com interpretações, apenas com a SEMENTE.

Sinto-me um pouco melhor. Mas o caminho é longo...

1/12/2006 

Pessoa e Função

As pessoas conhecem-se com um propósito: partilha. Que em outras palavras pode ser sinónimo de que os conhecidos / amigos / familiares e demais são pessoas que existem para ser usados/as.
Não é extremamente arrogante dizer isto, é a realidade. É a função de cada um que tem de ser posta ao serviço dos outros.
Contudo, devo admitir que me esqueço disto em demasia, ou por outro lado sou orgulhoso ao ponto de nunca pedir ajuda.

Se conhecemos um amigo que é mecânico, há que lhe pedir ajuda no que for preciso. Pode até nem ser directamente com uma questão sobre mecânica mas sobre um conselho relativo a carros. Se conhecermos um designer, pedimos-lhe ajuda. Nem que seja para discutir a cor das paredes da casa nova. Se for preciso saber algo mais sobre uma questão bancária, vamos e pedimos ajuda ao tio bancário, e por aí adiante.
Penso que existe, pelo menos da minha parte, um constante esquecimento destas coisas básicas. Como se fosse masoquista e me diverti-se em ir pelo caminho mais dificil ao invés de procurar quem me está mais chegado e a solução onde iria demorar menos tempo.

As pessoas estão lá e provavelmente podem ajudar. Servirmo-nos delas não faz de ninguém oportunista nem do outro uma pessoa explorada.
Se a pessoa não se demonstrar disponível para ajudar, fuck it. Mas não se perde nada em tentar.

Falei em profissões mas o mesmo se aplica a conhecimentos gerais e experiências de vida. Há que procurar o que cada um tem de melhor a oferecer e fazer uso dessas funções, ajuda a manter as coisas em movimento e toda a gente satisfeita.

Numa escala metafísica, acredito que cada um tem uma função a desempenhar na vida. Esta função é uma aptidão natural e que quando é acordada e entendida pode ser útil tanto a um nível mundano como em circunstâncias especiais.

 

Iluminada

Uma sala amarelada e atarracada.
O calor humano fazia-se transparecer através do sujo papel de parede onde, ali, jazia a velha: sentada, sozinha, em frente à diabólica caixa emitindo raios de fotoelectricidade; raios de uma luz crua e fria, à base maioritariamente de flashes constantes, como se se tratasse de um consultório médico, uma autêntica lavagem cerebral e epiléptica.
E ali, gelada, pálida, espectral, servia de receptora de tudo e mais alguma coisa - ela era novelas, noticiários, filmes, transmitia de tudo. E a velha, inerte, consumia igualmente um pouco desse todo como se estivesse presa por cabos ao sofá sem almofadas.
Sentia um descanso completo e absoluto ao deixar-se ligar aquela pseudo-realidade. A sua cor, era para ela, um alivio; era a possibilidade de ficar enterrada num poeirento sofá castanho, durante um tempo indefinido e de ter viagens indiscritíveis. Sentia-se acompanhada e quente na presença daquela luz cintilante que pintava o chão, paredes e mesmo a pele nas noites mais escuras e azuladas.
Na verdade, a quem poderia a velha contar tais histórias ou viagens? A quem mais, senão a Ela, a indispensável amiga, a sua grandiosa amiga... Aliás, amiga não, Ela pertencia à família! Uma irmã perdida que não lhe provocava nenhuma dessas desagradáveis consequências e súbitas surpresas sem aviso prévio.
O seu esquecimento e apatia era perfeito, e, se na manhã seguinte era desagradável, quando acordava com dores musculares e náuseas, não o era intrinsecamente. E isso era tudo o que importava.
No ar respirava-se passividade, e na sala havia jarras que apresentavam flores secas e encrostadas. Mortas. Com as pétalas caídas parecendo enjoadas com a temperatura. Lá fora, no entanto, a luz tentava entrar na esperança de trazer consigo alguma vivacidade; como se tentasse ressuscitar milagrosamente um defunto. Mas apenas penetrava pelas finas frinchas dos estores já há muito encravados.

A velha era uma mulher muito gorda, daquelas com um olhar espantado, incrédulo, e constantemente de boca aberta. Os cabelos eram de um castanho caramelizado que se encaracolava entre si numa esponja de humidade; as feições fortemente rasgadas na pele assada juntamente com umas bochechas caídas, uns olhos injectados de sangue e uns seios enormes que nem sacos de areia despejados à beira da auto-estrada.
Em suma, a abandonada velha entregava-se de corpo e alma ao ambiente clinico e sufocante daquele espaço. Era a sua pequena sala, rústica, o seu canto de (i)reflexão. Estava em sintonia. Em coma profunda e pacifica.
Porém, ao contrário da velha, a caixa transmitia respeito e serenidade, inspirava uma atmosfera similar àquele silêncio arrepiante de estar a assistir a uma missa, uma missa funebre. Um missa que se arrasta através do tempo e do espaço com um longo sinal agudo e prefurador. Um sinal progressivo que invade cada canto do ambiente onde se liga. Profura cada cavidade e instala-se por debaixo dos braços, entre os dedos e dentro da traqueia azeda de vazio.
Ali, no seu canto, ela epileticamente se deixava observar, passava o testemunho, deixava-se ser vista e domada acatando todas as ordens da ilustre anfitriã - pobre velha! Nunca tinha percebido como Ela era grande!
Todo o seu poder... Ela estava em todo o lado, em todas as casas, nos olhos de todos, no coração da velha, na sua cabeça, continha a força de arrastar multidões, de criar, incentivar, mostrar, punir... Era uma janela lá para fora, mesmo apesar de ser vista cegamente, Ela era já um Deus do futuro, um Deus sem local de oração próprio mas ao qual se tem de prestar obrigatoriamente vassalagem. Bastavam algumas horas de observação e o bichinho começava a desenvolver-se, a crescer, a propagar a mensagem e a conquistar outras velhas, outras salas, outras mentes. Uma minhoca varageira que se desenvolvia internamente e se representava através de epidemias de obesidade, esquecimento e inércia psicológica.
Neste caso, a velha continha todos os sintomas desta doença: imóvel, com um olhar penetrante e ao mesmo tempo obcecado, fazia todas as suas tarefas domésticas sentada no sofá, em frente a Ela. A Grande! Quem a visse pensaria que talvez estivesse sob algum bruxedo, mas não, ela era assim mesmo... Uma devota.
Comia, falava, cantava, sim ela cantava! Cantava todas as músicas dos programas, e chilreava como podia: Lálá lálálálá lá lá lálálálá, chegava mesmo a encenar os apresentadores predilectos, copiar os seus tiques, maneira de falar, olhar, vestir. Todos os programas da vida real chegavam a ser mais reais para ela que a própria realidade, vivida fora de portas, mas onde só raramente ia. Enfim, Ela era indiscutivelmente um exemplo, e mantinha-a alegre e fanática, enquanto se tivessem uma à outra. Eram interdependentes e... Felizes?
A velha sentia-se uma lider espiritual, uma previligiada por a Ter. Por ter acesso a Ela e a compreender! Era uma iluminada!

Marcava todos os seus dias e estavam todos devidamente preenchidos. Às 6h. da manhã começava os anúncios de vendas que certo dia, depois de 12 horas seguidas, a velha começou a decorar as falas, a saber as receitas, e truques, de trás para a frente.
Às 7h. eram as missas em directo e os programas em que todos lhe desejavam um bom dia, com um padronizado sorriso de orelha a orelha ao qual a velha ripostava hipocritamente. Depois, seguidamente, quase às 12:30, era a vez dos programas de culinária que a senhora via atentamente, tomando nota das receitas com a sua caligrafia ilegível de analfabeta, enquanto olhava furtivamente a habitual cozinha desarrumada onde as baratas criavam galerias labirinticas.
A velha buscava no pre-consciente sinais de fome, lembrando-se que apenas possui uma lata de salsichas no frigorifico e alguns restos de verduras podres.
Na noite anterior dera o seu filme preferido, o qual vira 6 vezes por isso não tinha saído para fazer compras. Quando foi a última vez que saiu?
Pelas 13h. começava o noticiário e ela fazia um autêntico teatro... Chorava com as crianças feridas por causa da guerra e com todos os pobrezinhos mostrados na grandiosa Deusa - ria-se com as piadas do apresentador, o qual mantém toda a boa disposição mesmo após a secção de imagens do "morte da semana" e ficava serena com todas as quedas na bolsa, o desemprego, as revoltas sociais, as greves, etc. Era um festim de acontecimentos que lhe enchiam a sala e a cabeça. Tudo fazia tanto sentido e tudo era real, pois era Ela que lhe mostrava. A detentora da Verdade.
O seu horário continuava. Aproximadamente às 14h. ligava-se inteiramente às telenovelas que eram o seu maior entretenimento, por 3 horas seguidas, quase sem respirar e sem intervalos para publicidade Ela segredava-lhe todas as coscuvilhices. A velha mantinha-se imóvel, contorcendo as tripas e prendendo as vísceras ao sofá de pés arredondados de madeira.
Por vezes adormecia, mas continuava sintonizada, sonhando com vestidos cor-de-rosa choque, iguais aos da heroína da novela, com as suas fitas, crises conjugais e longos cabelos lustrosos.
Depois, às 17h. e pouco, daria certamente um filme repetido inúmeras vezes, fosse em que canal fosse, mas naquele estado hipnótico isso não importava, era ver por ver, nada mais. E ria-se das mesmas cenas, embirrava com as mesmas personagens que já conhecia de outros filmes, representava tão bem ou melhor do que todos os famosos. Orgulhava-se dos seus dotes!

Nos intervalos levantava-se e bebia água bolorenta, comia restos que apanhava dos cantos, ou ia à WC descarregar. Mas muito rápido, que está quase a recomeçar a maratona, e não vá ela perder o anuncio novo de desinfectante para plantas.
Quando o relógio batia as 19h. e 20 daria outro programa da vida real em directo, e ela só pensava se era desta vez que a tipa ruiva se deixava seduzir pelo morenaço, e... quem sabe?... Talvez o serão fosse mais apelativo que o costume, tudo dependia das acções de pessoas "reais" numa "realidade" obtusa e perfeitamente construida.
Minutos após o fim, começaria o jornal da noite, e a mulher recomeçaria a representação: choros, gritos de aflição, gargalhadas, uma infinidade de sons. Uma reportagem especial de uma guerra num lugar longínquo, fome em países não europeus, distúrbios políticos sabe-se lá onde... Fosse o que fosse, tudo lhe provocava reacção sabendo ela, ou não, do que se tratava.
Quando acabava o jornal, pelas 21:15, depois de muitas encenações, mais uma sessão contínua de talk-shows sobre temas altamente importantes socialmente. Ela segue todos os movimentos, todas as falas, expressões. A velha faz o mesmo, não lhe escapava nada. Afinal, ainda não era desta que a ruiva e o morenaço... enfim, talvez noutro dia, ou depois... Também não há pressa.
Ao cair da noite, pouco após as 23h., mais um filme: sexo, violência, explosões, tudo o que o povo gosta. E a velha não fica atrás, vai largando uns gemidos Aiiiiiiiii, Uiiiiiii, que horror, mas vai seguindo até ao fim, tal como no telejornal... Afinal para ela é quase o mesmo. E tudo graças a Ela, Como era bondosa! Como lhe proporcionava agradáveis serões e estava ali de antenas abertas pronta a ouvir nos bons e nos maus momentos. Sempre uma companhia. Sempre do lado Dela. Sempre fiel e atenciosamente ininterrupta.
Ela esta estava sempre ali, nunca ripostava, era isso que apaziguava a alma da pobre velha, era a sua maior riqueza. De facto, era a sua única certeza em todo o mundo - Ela estava sempre ali para si. E não a reprimia ou apontava o dedo. Era magnifica!
Aquela sensação de chegar a casa, e saber que Ela a esperava, para conversarem, era indescritível; A velha delirava ao apalpar o comando nas mãos fazendo uma concha, e ouvir aquele som sublime: BZzzzzzzsssh, ao ligar. De certo, conhecia muito melhor aquele comando universal do que as suas próprias mãos que o agarravam, costumava acariciá-lo enquanto olhava para Ela, não com muita intensidade, pois Ela estava a ver. Mas, aconchegava-o contra o peito como se fosse um filho, e é claro que quando se usava dele não precisava de olhar para os botões gastos pois fazia inveja a qualquer novato na prática do frenético zapping.
Noites, dias, manhãs, madrugadas, Ela estava sempre presente, com a mesma aparência e continuamente a crescer, a aumentar o seu sistema de valores, a sua importância. A idosa, essa coitada, já mal a conseguia ver, e o conhecimento que tinha do mundo exterior era apenas aquele difundido por Ela.
Porém, as suas cores davam-lhe alento e enquanto uma caía em decadência a outra ia iluminando as salas de todas as famílias do mundo. Com um simples click as ideias alternavam radicalmente. Com apenas 5 minutos diários convencia-se, ou melhor convertiam-se, legiões de doentes mentais.

Lentamente a senhora pressionava nos botões, gesticulando com dificuldade devido à sua idade, o simples pressionar de um botão tornou-se um acto de esforço, vagaroso, um acto que implicava perícia, e logo para ela, a melhor conhecedora televisiva deste planeta.
O seu afecto por Ela era tão grande que se tornava um acto de sacrilégio ter de se levantar, enfrentá-la, e virar-lhe as costas estando Ela sempre em comunicação, pronta a ajudar - não estava certo!
Para a velha, a caixa era um ente querido, era a Sua adorada, a protagonista principal na sua vida. No entanto, a velha não passava de um décor, de um segundo plano, sabia que Ela (con)tinha mais importância.
A solução era ficar ali, especada, não se levantar do sofá, e apodrecer juntamente com a humidade das paredes, e com o som de fundo agudo que a violava subtilmente.
Lá fora nada a esperava, e a nostalgia dos plácidos domingos de manhã a ver a vida selvagem fortalecia a ideia de querer passar, os seus últimos dias, perto Dela. Era a sua família, ainda se recordava quando acidentalmente faltava a electricidade o sofrimento que isso lhe causava: ficava estática, imóvel, aparvalhada, em poucos segundos, as saudades transformavam-se em martírio, dor, agonia. Chegava mesmo a chorar no escuro como fazem as crianças quando lhe tiram um brinquedo. Chegava mesmo a questionar a importância Dela! Como se o mundo caísse e nada mais fizesse sentido. Uma depressão inacreditável e desesperante.

O mais extraordinário contudo, era a forma como Ela lhe dava tudo o que queria ver, sabia exactamente aquilo que interessava e como tomar efeito sobre a vulnerável velha. Mal sabia ela! Coitada! Não entendia. Pensava que era o Seu grande poder e limitava-se a acompanhar a programação, nunca traía os horários estipulados e na altura em que precisava de ver uma telenovela lá estava uma no canal certo à hora combinada, pronta para ela, quase programada geneticamente exclusivamente ao seu gosto e na sua sala, no seu habitat natural.
A velha dormia, e Ela crescia, ia apoderando-se de todos os cantos da casa, não só da sua casa mas de todas as outras casas lá fora, da vizinhança, de todo o bairro, de todo o lado. Ela tinha poder. Ela via-a pela noite fora, pelas janelas das ruas e dos prédios, e toda a noite Ela a viu também.

No fim da emissão, acabava por ser uma daquelas vulgares trocas de impressão, as tão chamadas conversas em silêncio, totalmente não verbais, sem qualquer componente humana e neste caso carregada de um vazio lento, cultivando uma comunicação ilógica por natureza. E o sinal agudo sempre presente e sibilante. O ambiente tornava-se frequentemente mórbido, a falta de consciência era tal, que os papeis trocavam-se por completo, e não obstendo a já absurda realidade, a velha ainda se ria de si mesma - como se alguém ouvisse, como se tivesse importância sorrir para Ela!
Uma coisa era certa, o mundo podia estar prester a acabar mas não era por isso que as audiências iam baixar ou a velha pousar o comando e deixar de estar Iluminada!

1/09/2006 

Projectos (em curso)

-"50 Faces Gulbenkian"
Exposição/Instalação conceptual, em comemoração dos 50 Anos da Fundação Calouste Gulbenkian.
Poderão as pessoas ser um adorno da arquitectura?
Será possível criar uma linguagem de geometria facial?
Pode o espaço habitar nas pessoas e estas construirem-se em volta do mesmo?
Projecto em desenvolvimento para apresentação.
Data provisória: Março '06

- "Light Against Time"
Exposição de fotografia em construção.
Agendamento de sessões fotográficas e preparação de projecto para apresentação.
Data provisória: Maio '06

- "The Spirit is Free: Dance Your Soul Away"
Investigação no universo dos psicotrópicos alucinogénicos e nos resultados corporais e psicológicos dos mesmos. Viagem ao mundo das festas privadas e das personalidades que as habitam. Video experimental sem qualquer cariz de moralidade e alerta. Liberdade visual e inspirativa. Video de agradecimento pessoal.
Colaboração de sonoplastia (Paula?) / ainda por definir.
Data provisória: Outubro '06

- Video do Desassossego
Adaptação imagética do universo de Pessoa. Transposição de um real crú, frio e extremamente atento aos sentimentos inerentes aos gestos, objectos e ao banal. Viagem contemporânea através dos lugares-comuns da constelação poética (ruas, cafés, quartos) e metafísica que habita em Lisboa e consequentemente no espírito-génio que é Pessoa. Fusão plástica de fotografia/video/animação/spoken-word. O projecto mais pessoal e possivelmente o que me atrai mais no sentido teatral e de vivência forçada.
Colaboração de som (Victor Joaquim?), edição (Sérgio Fouto?) e voz-off (Jorge, eu?) ainda por definir.
Data provisória: Novembro '06

- Videos Experimentais:
"The Image is Mightier Than the Sword"
Colagem/composição imagética simbólica de grandes figuras e icons histórico-culturais.
Data provisória: Janeiro/Fevereiro '06

"Do Avesso"
Vómito interior.
Data provisória: Janeiro/Fevereiro '06

- "A Mão (Por Detrás) da Lente"
Mini-documentário de investigação com objectivo de concorrer a financiamentos externos.
Visita às pequenas salas de cinema alternativo em Lisboa, entrevista aos projeccionistas e opinião dos mesmos sobre o estado do cinema actual (intervenções de algumas figuras públicas), da pseudo-indústria de cinema em portugal (educadores), preferçências cinematográficas e background profissional.
Data provisória: Junho '06

1/06/2006 

ABSURDO

"Tornamo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios. O absurdo é o divino.

Estabelecer teorias, pensando-as paciente e honestamente, só para depois agirmos contra elas - agirmos e justificar as nossas ações com teorias que as condenam. Talhar um caminho na vida, e em seguida agir contrariamente a seguir por esse caminho. Ter todos os gestos e todas as atitudes de qualquer coisa que nem somos,nem pretendemos ser, nem pretendemos ser tomados como sendo.

Comprar livros para não os ler; ir a concertos nem para ouvir a música nem para ver quem lá está; dar longos passeios por estar farto de andar e ir passar dias no campo só porque o campo nos aborrece. "

Fernando Pessoa - "Livro do Desassossego"

1/02/2006 

The Circus is Coming to Town

Para 2006 proponho a mim mesmo um ano de revelações.
Quero expor o que tenho vindo a fazer e mostrar o que está para ser feito. Muitos coelhos na cartola e cartas na manga...
2006 vai ser o ano em que vou entrar no campo do social a valer! Vou aceitá-lo de uma forma não-participativa e assídua mas não obstante interveniente ao meu próprio modo. A grande proposta é quebrar com o preconceito do "como fazer" e simplesmente fazê-lo. Isto é, deixar-me de complexificações racionais e lógicas e cruamente fazer o que tenho a fazer e deixar as criações escorrerem através dos dedos, mãos - corpo inteiro - e suportes necessários. O importante é entrar no real e fazer com que as coisas aconteçam e ganhem vida própria.
Vou aceitar o simples e básico. Vou entender que no comum e banal habitam lições enormes que me fazem penetrar no social de forma mais fácil do que ficar indefinidamente a tecer uma teia que não sei onde vai acabar. Vou ser rápido e instintivo. Estrangular os dramas mal me aparecerem à frente e deixar as chatices para quem tiver pachorra de lhes fazer baby-sitting.
Deixarei de pensar antes de fazer algo e passarei a analisar apenas depois de já o ter feito. Tudo de forma ritualista e com um respeito humilde pelo ancestral. Não vão haver erros pois tudo está encaminhado para a direcção que pretendo seguir: uma homenagem honrada ao meu passado, origens, ao que está enterrado na memória e no incosciente colectivo. Os mistérios, medos, mitos, arquétipos, simbolos de grande proder precisam de ser re-interpretados e gozados frontalmente. É preciso chocar e criar uma reacção! Pretendo ressuscitar o movimento surrealista e meter-lhe uma nova máscara: a do agora. É preciso abanar as pessoas e fazê-las explodir o que têm dentro de si. Rasgar com as capas velhas e despir a mente de velhos padrões e medos. Fazer do dia-a-dia um teatro. Um teatro VIVO em que cada um é uma personagem ininterrupta e REAL. Não agora, mas para sempre. A inspiração tem de ser colectiva e para isso é preciso ser absurdo e dizer às pessoas algo que as incentive. Não precisa de ser verdade, não há necessidade de dramas, negativismos e "realismos", há que fazer do discurso um rito em que se semeia esperança no próximo. A linguagem verbal é por si só o principio de uma criação e o primeiro desejo concretizado.
É preciso criar uma nova ideologia na raça humana. É preciso haver fé e crença. É preciso dar algo às pessoas em que acreditar. Esse algo pode ser nada, podem ser elas mesmas e o que sabem fazer de melhor. É preciso INSPIRAR. É necessário urgentemente INSPIRAR e incentivar as pessoas a deixarem fluir a sua imaginação, criatividade e loucura. Deixar escapar os seus dons e talentos cá para fora; aquilo que cada um gosta e tem de mais querido. Pegar nessas coisas e dar-lhes vida. Atirá-las para o ar, para algum lado! A arte é a ARMA perfeita para gerar uma contra-resposta e movimento, fricção, MUDANÇA, evolução!
Em 2006 vou esgotar-me até à última gota. Vou rasgar criativamente e expor-me imensamente. Quanto mais for visto, mais tentarei trabalhar no que está escondido e no que magoa profundamente as pessoas e as faz mexer.
Quero formar parcerias com conhecidos e desconhecidos. Projectos interessantes e rápidos. Sem grandes pensamentos prévios. Happenings e cortes no real. Operações altamente arriscadas no mood passivo e relaxado. Acabar com o caralho do Sebastianismo e nostalgia nacional de uma vez por todas!