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8/03/2005 

Antony - Um Pássaro Caído

Não é à toa que os maiores génios só são reconhecidos após terem morrido. Compreendo agora que o mérito de grandes artistas só é lembrado após a sua morte por a genlidade co-existir num tempo absurdamente descontextualizado de época. O nova-iorquino Antony é um destes excepcionais casos que alia sensibilidade e dramatismo neo-clássico a uma musicalidade rica em nostalgia e um sentimento profundamente trágico praticamente inexistente nos dias que correm.
A voz de Antony move-se num campo nebuloso: em partes soa um rapaz maduro de um coiro gospel - as influências de música negra/soul são nítidas - noutras treme timidamente num falseto carregado de riqueza emocional vinda directamente das entranhas de um ser andrógena em desespero de causa; Mas no fim, sempre estranhamente controlado e com um registo de delicadeza acima da fasquia músical que ocupa espaço nas lojas de música tradicionais.
Antony conta-nos histórias de um mundo marcadamente crítico no que consta a divisões de géneros, sendo o artista o exemplo levado à cruz para de uma forma autobiográfica expor com exactidão os melodramas consequentes de uma devastadora e sincera verdade existente na sociedade actual - o preconceito sexual.
Em “I am a Bird Now”, o segundo albúm de longa-duração após um interim de praticamente 5 anos, Antony volta à carga com uma postura decididamente mais assumida e carregada de melodias tristes e orientadas por as teclas de um piano que anda de mão dada com a voz dominante do compositor.
A capacidade de libertação/expurgação é genuína e como tal transforma a percepção passiva do mero ouvinte num autêntico depósito catársico a transbordar de melancolia negra e sofredora. Em balanço com o albúm homónimo, “I am a Bird Now” é mais simples e move-se num território mais arejado e acústico mas nem por isso menos dramático ou sincero. Temas como “My Lady Story” ou “For Today I am a Boy” mostram a presença e capacidade vocal de Antony claramente como um marco distinto e único no panorama da música alternativa actual.
Antony e alguns dos seus músicos visitaram novamente Portugal em Maio para uma noite quente em emoções no povoado auditório da Aula Magna. Como de habitual, a simpatia de Antony insistiu em quebrar o gelo conclusivo das músicas carregadas de tensão sempre com uma fragilidade e hesitação característico da sua pessoa, estabelecendo uma intimidade provocadora no sentido de preparar as massas para um próximo tema onde a voz e o silêncio se experava forte e extenso, quase inconfortável de contemplar.
A fabulosa interpretação de “The Lake” (Edgar Allan Poe, 1827) foi suficiente para fazer caír por terra a alma de qualquer apreciador de música de qualidade, as palavras evocadas no silêncio do auditório continham a força de um poeta morto e a subtileza de um performer adulto - simplesmente arrebatador.
A arte é feita de novas formas de expressão; quer através de técnicas previamente utilizadas, ou de uma fórmula reaproveitada. No caso de Antony e os seus Johnsons, o cocktail é composto por elementos mistos: roça-se o campo da inocência lírica e pura de um pássaro caído em terra desconhecida e o conhecimento profundo de uma solidão que necessita ganhar voz a qualquer custo. Admirável!
Site Oficial: http://antonyandthejohnsons.com