Equerma

Equerma baseia-se no entrusamento de textos de Frederico Garcia Lorca ("Yerma") e Albert Camus ("Equívoco"), num ambiente declaradamente macabro e com uma estética bizarra, experimental e muito muito negra.
A temática da peça gira em volta das relações familiares entre marido e mulher e filho-mãe-filha. Fala-se de sexo, morte, amor, incompreensão, enfim, um melting-pot dos dois textos onde um demonstra um estilo marcadamente mais tradicional e bucólico (Garcia Orca) e outro bem mais cru, frio e seco (Camus).
Pessoalmente, foi um abrir do baú existente no sotão mental já muito empoeirado, a narração pareceu-me algo despropositada pelo uso a distorção da voz-off; não era de todo necessário para adensar o tom sério dos textos e performance dos actores, pelo contrário, acho que dificultava o entendimento e em determinados momentos roçava o rídiculo. Porém, a construção do texto em si estava interessante e bem estructurada.
Toda a bonecada, caracterização, guarda-roupa, efeitos sonoros e cruzamento de encenação e drama familiar/conjugal resultou numa noite de silêncio de cortar-à-faca. Digo-o honestamente, é de louvar a criatividade encontrada para simbolicamente se conseguir expressar sentimentos tão complexos como ausência, raiva, prisão, desentendimento morte ou loucura através de acções multi-interpretativas e tão livres de tabus. Equerma é sem dúvida um espectáculo com "eles" no sítio.
Os actores estiveram todos 5 estrelas, e fizeram-me questionar pela primeira vez no que será ter de encarnar aquelas personagens diariamente. Acredito que não deve ser fácil distanciar algumas verdades literárias do quotidiano inter-relacional de cada uma daquelas pessoas.
Anseio por mais espectáculos da KARNART num futuro muito próximo, a produção estava à altura e a encenação e performances superaram as expectativas. Recomendado!
No comment