« Home | See With Your Eyes Open » | Yet another day... » | edição frenética e publicitária merece ser interro... » | Ligações » | Zero Perfeito » | Exercício #1 - Teatro Comandado » | Behind The Lens no Fantasporto » | Struggle.Unite.Obey » | Master of Puppets » | Idades » 

4/19/2006 

B de Beleza (Ensaio)

O que é belo e o que não é? De onde provém a beleza? Será a beleza um ponto de vista do observador ou parte integrante do objecto observado?

Talvez seja melhor começar pela definição de belo que se encontra num vulgar dicionário da Porta Editora, eis o que diz: "(...) 1. que tem forma agradável, formoso, lindo, bonito; 2. que provoca uma emoção estética; 3. gentil, aprazível; 4. distinto; 5. feliz; 6 próspero; 7. nobre; 8. generoso; 9. harmónico; 10. perfeito; perfeição (...)".
De forma vaga e sucinta podemos dizer que o conceito de beleza é bem mais vasto que a conexão humana e física que com ele estabelecemos. O belo estende-se a objectos inanimados e formas, símbolos ou representações meramente estéticas que extravasam os limites do auto-centrismo da nossa espécie. Existe igualmente uma forte ligação com a perfeição, naturalidade, endeusamento e a dimensão feminina. O belo instala-se nas pessoas, arte, imagem, e em todo e qualquer objecto de desejo ou fascínio.

Falar sobre beleza implica falar sobre um julgamento e sobre um desejo perante algo. Será possível classificar o que é belo sem criar à partida um julgamento sobre esta mesma noção/objecto? Creio que não. E não existe uma forte tendência para associar beleza com outras características extra-estéticas como moral, educação ou ética? Sim, existe. Pois parte-se maioritariamente de uma interpretação pessoal, e esta é vinculada por um código de valores que dificilmente é isento ou imparcial ao gosto próprio e cultural.

De acordo com Oscar Wilde, "a beleza é uma forma da genialidade. Aliás, é superior à genialidade na medida em que não precisa de comentário. Ela é um dos grandes factos do mundo, assim como a luz do Sol, ou a primavera, ou a miragem na água escura daquela concha de prata a que chamamos de Lua. Não pode ser interrogada, é soberana por direito divino." Para Wilde a beleza é desassociada de julgamentos e livre por direito máximo. Poder-se-ia falar de um belo nobre e comportamental contido em gestos de saudação, respeito, fumo, apetite, rendição, busca ou olhar. A beleza é portanto um conceito transdisciplinar e metafísico, que habita numa dimensão exterior ao indivíduo observador mas actua profundamente no seu interior sendo um motor pulsante para a idealização e projecção de sonhos e fantasias.
A revelação da beleza no real dá-se através de um conhecimento interno e cultural subtil. Corresponde a padrões que interligam a relação que o homem estabelece entre o visível e invisível. Esta visão de uma beleza alquímica e separada das capacidade reprodutíveis do homem comum foi durante o Renascimento considerada profana e sagrada - distante do homem - por oposição à beleza contida num morder de lábios, e no desejo sexual e carnal que é contrário à religião da cruz. Acreditava-se num conceito de beleza extra-terreno e inacessível, sendo por isso do domínio dos deuses, principalmente do sexo feminino, por terem a dádiva da Criação.

De onde emerge então a beleza? Trata-se de um valor estético apreendido de forma espontânea ou uma emoção que cresce perante algo com a compreensão dessa mesma coisa/pessoa/objecto? A beleza existe na mulher, no observador que olha a mulher ou na interacção constante entre o observador e a mulher?
Podemos compreender que existe um estado intermédio no qual o observador está incluído na observação e a modifica. Dito de outro modo: eu vejo a mulher e o meu olhar modifica a imagem que eu vejo. Posso dizer que quando olho estou ao mesmo tempo a ser olhado. A beleza preexiste interiormente e é reajustada de acordo com as circunstâncias vivenciadas. Diz o ditado que "a beleza está nos olhos de quem a contempla".
Quando se olha para algo ou alguém e se encontra algum traço de beleza, quer seja física ou sensorial, dá-se uma transformação que é nada mais de que um acto de permissão que essa mesma coisa cresça e ganhe valor interior para com o observador. É a abertura para uma possibilidade de beleza maior que habita não no objecto/indivíduo observado, mas no observador. O fascínio pelo belo existe tal como o funcionamento íntegro de uma paixão amorosa, por isso acontece termos fases em que nos sentimos ligados e extremamente identificados com um filme, pessoa, obra de arte ou mesmo aquela estranha necessidade de vestir determinada cor.

A beleza reside também na nudez das coisas, no seu estado primordial o qual uma vez despido de construções e ficções, uma vez retirada a casca que envolve a semente (do fruto), se deixa vislumbrar a essência.
Esta nudez equivale a um nível instintivo, ingénuo, pouco ou nada racional, rígido, ou muito menos complexo. Desta nudez sobra o que é cru e a pureza aflora no que é nada mais que a Verdade.

A beleza é do campo das emoções e deve ser sentida, não pensada. Consequentemente, cada um sente, vê e tem o seu conceito particular de beleza. A percepção de beleza é individual, tanto quanto somos únicos. E a beleza evolui connosco, podendo ser estudada de acordo com traços estilísticos relativos a uma época que apesar de identificativos, dificilmente se adjectivam.
Imaginemos a beleza como um gelado que se prova e dá acesso a uma satisfação estética de um apetite momentâneo. Esse gelado satisfaz um prazer e depois de absorvido e integrado não passa de um simples gelado. Não é uma experiência global e mística que sirva de exemplo ou gera um sistema de associação directa de gelados a prazer supremo. O mesmo se passa com a beleza, ela é o sopro da inevitabilidade e do acaso. Surge e evapora. Vai e vem. Acende e apaga. É inclassificável e irreproduzível.

A beleza da natureza e a liberdade que esta emana em paisagens rurais e campestres são também alvo de contemplação comum. O facto de se procurar lugares atípicos ao sufoco urbano para passar férias demonstra esta procura por uma visão despreocupada e descomprometida da natureza (o mesmo acontece com a Arte). A natureza mostra uma faceta auto-regeneradora que contém a fórmula da Criação em si mesma. As leis são naturais e incrivelmente funcionam, por isso mesmo a natureza é eternamente bela e nos sentimos atraídos pela floresta, campo, mar ou montanhas.
Já alguma vez, por acaso, viu uma árvore que fosse feia? Este é um padrão humano, não existe na natureza esta concepção bipolarizada pois não existe raciocínio. O julgamento pertence à génese humana e é inverso à natureza. Daqui se explica também a origem da Ciência como estudo dos mistérios da natureza em toda a sua amplitude.

Em suma, procura-se no belo algo que não sofra influências humanas em excesso, pois sabe-se que a beleza e a naturalidade andam de mãos dadas e a nossa espécie vinga em agir de acordo com princípios contrários. Procura-se fugir ao que é considerado comum, típico, vulgar e de fácil acesso, sendo por isso compreensível porque consideramos os nórdicos de olhos azuis e cabelos loiros belos e estes se sentem fascinados pela pele morena e pelos cabelos escuros do sul.

Para Platão, a beleza está associada à harmonia, que é essencialmente um ritmo, do qual provém as proporções das coisas e objectos. Quando nos damos de caras com algo belo a noção de tempo desvanece, as amarras com a complexidade humana perdem-se em instantes que parecem eternos. Quando estamos apaixonados temos essa impressão de viver a eternidade em instantes e é de tal forma grandioso que tudo é passível de acontecer, perdendo-se até a percepção da escala dos comportamentos. Esta apreensão de beleza carrega em si um pacote de sensações secundárias simplesmente fantásticas e não inteligíveis na altura. Caso da impermanência/ausência geográfica, mutabilidade de humor, ou a incalculabilidade das horas. Assim é o belo: uma brisa efémera e desvanescente. Uma harmonia que segue um trilho desconhecido e fascinante.

E é precisamente este factor de imprevisiabilidade do belo que se auto-regenera no humano – tal como acontece na Natureza - e nos leva a reapaixonar e a desejar, e assim surge de novo a beleza a vibrar sem razão aparente no seu estado natural sem artifícios, máscaras, ideias ou planos. O belo está contido nesta liberdade física e espiritual que tem a forma do não-estar e do não-ser, porque já o é precisamente sendo belo e ansiando o vazio das possibilidades.
O contacto com a beleza trata-se de um sopro único e irremediavelmente verdadeiro onde a pré-consciência - quase uma terceira pessoa - habita intemporalmente num estado de "piloto automático" e numa constante dialéctica que tem como desejo último a união com o eterno.