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8/20/2006 

Geneologia do Ping-Poing

Acabo de me aperceber que desde cedo me senti como uma bola de ping-pong que é jogada de um lado para o outro tentando assegurar a vitória do jogador que a atira.
Fui para os meus pais um símbolo de competição emocional e de escape para os seus problemas familiares. Enquanto filho, simbolizei o poder vital na relação conforme o lado para onde me inclinava, sendo a minha opinião a resposta final para a pergunta-mestre: “quem tem razão?”.
O meu pai saiu de casa cedo revoltado contras os pais, apoiando-se na minha mãe para sobreviver e como única pessoa com quem podia contar emocionalmente – e quiçá financeiramente? – para dar o pulo para a vida adulta. A minha mãe ficou fascinada e deixou-se aventurar tendo de casar para se justificar perante a família dela e assumir aquela relação. E assim foi, ambos viveram o romance aventuroso e começaram uma vida cedo e com condições adversas. Passado um ano e pouco de casamento a minha mãe engravidou e presumo que este foi o pico da relação entre os dois.
Quando nasci o meu pai viu-me como uma possibilidade de criação de uma nova família com novos valores e esperança. Considerava a sua família de origem como tendo falhado perante ele e eu era o filho que iria assegurar a família amiga e companheira, que o iria suportar e que ele nunca teve. Iria ser o amigo dele, irmão dele e filho dele. Iria também representar um companheiro e aliado, uma pessoa do seu lado com quem ela podia-se divertir e ensinar.
Para a minha mãe eu representava a possibilidade de ela brilhar enquanto mãe-mulher. A minha mãe sempre se preocupou com o status familiar e no meu ver o facto de ela ter ficado sem mãe muito cedo fez com que tivesse de ser mãe dela mesma (quem sabe senão também do pai dela?) e eu seria a possibilidade máxima de expressão desta sua vocação natural: a maternidade.
Desde que me recordo sempre houve desacordos entre a noção familiar existente entre o meu pai e a minha mãe. Para a minha mãe o filho seria o escape dela para lidar com essas diferenças. Eu fui o véu que escondeu a realidade nua e crua aos olhos da minha mãe. Sempre que os meus pais discutiam a minha mãe refugiava-se “em ser mãe” ao invés de discutir os problemas com o meu pai e antes de ser mãe, ser mulher e indivíduo. Desde cedo a minha mãe deixou de ser mulher, anulando a sua vontade própria e esquecendo do que precisava, para substituir tudo pela mãe a “tempo inteiro”. Presumo que muita coisa se tenha deteriorado na relação dos dois quando eu nasci.
O meu pai deixou de ter uma mulher-companheira, da qual esperava ajuda para criar “a nova família” para passar a ter uma “apenas-mãe” que invés de partilhar das suas convicções o ignorava, considerando-o louco, refugiando-se no filho como confirmação da sua razão.
O meu pai esperava que fossemos uma família tipo “hippies”, que unidos iriam divertir-se imenso isolados do mundo com uma forma própria de viver. Enganou-se redondamente. Os seus sonhos caíram por terra quando nasceu um rapaz sereno e sem grande espírito extrovertido.
Eu, a bola de ping-pong, era disputado entre os dois perguntando-me “de quem eu gostava mais?”. Não querendo magoar nenhum assumi uma posição exterior e não-pessoal, dizendo que gostava dos dois e sendo assim imparcial. Isto levou a que crescesse de forma desapegada dos progenitores não querendo assumir nenhuma posição favorável a um deles. Aprendi aos poucos a não ter opinião própria pois tinha de assumir o papel neutro e como tal esqueci como instintivamente se reconhecesse o que é bom ou mau para mim mesmo.
Para mais, quando ambos discutiam, por desavenças próprias de um casal e do feitio característicos de dois seres individuais, eu sentia-me responsável pela briga e fugia indo-me esconder no quarto a chorar como motivo daquele ambiente fracassado. Passei a representar, e a assumir o papel, do responsável número-um pela relação dos meus pais ser bem ou mal sucedida.
Não me recordo de estar no meio dos dois, recordo-me de estar ou com um ou com outro. De ir sair e estar com o meu pai, ou ir a casa dos meus avós com a minha mãe. Não me lembro de caminhar na rua de mãos dados com os dois, recordo-me de ser tentando a preferir um ao outro, e ambos fazerem esse jogo com medo de se algo falhasse entre eles eu ficaria como triunfo final representando a vitória e a razão.
A certa altura os meus pais divorciaram-se e foi-me dado a escolher com quem queria ficar: pela primeira vez optei por um: escolhi ficar com o meu pai por sentir mais afinidade e à vontade. Custou-me mas senti um alívio posterior. Fui das épocas melhores da minha vida pois senti-me livre daquele jogo e de toda aquela pressão. Senti-me realmente feliz e pensei que a nossa vida ia mudar para melhor, mesmo não estando os 3 juntos.
Tudo estava bem até o meu pai me pedir para ir falar com a minha mãe e lhe pedir por ele para voltar para casa. Fui usado como joguete. O meu pai confiou em mim a vontade dele, pedindo a uma criança que falasse pelos seus sentimentos e convencesse a própria mãe de que tudo iria mudar. Mais uma vez fui eu, vestindo a máscara do responsável, pedir à minha mãe que voltasse para casa incarnando e chorando assim a dor do meu pai e personificando o quanto ele estava abatido e que ela só conseguia ver através do filho, pessoa em quem confiava plenamente. Ela acatou a “minha” vontade e voltou. Não por ele, nem por ela, mas por mim.
Durante este processo de disputa/conquista no qual cresci, desenvolvi uma necessidade gigante de emancipação sentindo-me enclausurado naquele jogo que não tive possibilidade de escolher se queria ou não jogar. Tornei-me muitas vezes um ser presencial e fantasma. Tentando evitar o jogo ou compactuar e alimentar a constante procura de confirmação por parte de qualquer um deles sentava-me à mesa para jantar e não falava para não assumir um lado. Procurava não expressar sentimentos que fossem interpretáveis como sendo justificáveis e assim alimentei ainda mais o jogo acabando por o tornar mais real para nós os 3.
Fui um filho que passou a ser usado como uma arma de agressão entre os dois. Quando existia uma discussão a minha mãe tinha vontade de me levar com ela e fugir, e o meu pai, por sua vez, ou se sentia traído por mim por eu ser o escape da minha mãe ou se sentia profundamente sozinho e enraivecido por perder tanto o filho como a mulher, assim como os seus sonhos da família nova e perfeita que começava “da porta para dentro”.
Actualmente carrego comigo grande parte destes padrões e repito-os sem me aperceber. Acabamos por fazer na nossa vida aquilo que fizeram connosco no passado e assim se vai repetindo… Momento até que se dá uma tomada de consciência e vontade de mudança.
Até hoje tenho lapsos da posição que aprendi a representar: a zona neutra e de não-acção, a zona da imparcialidade e que considerava ser a mais justa. A zona da não participação. Essa distância fez com que recusasse aprendizagens de vida significativas e ainda hoje tenho momentos em que fico em black-out quando em ambientes familiares. Por curiosidade as pessoas têm tendência de uma forma carinhosa a representar-me, dizendo o que eu penso ou tentando expressar as minhas vontades. Eu, por dentro, enraiveço por me terem roubado sentimentos que não tive oportunidade de vivenciar e que são meus por direito exclusivo. Fico louco, mas não as posso culpar pela minha impotência dolorosa.
Quando sai de casa queimei fotos dos meus pais e senti que parte de mim iria mudar ao me desligar daquela tríade diabólica. E assim foi, o Nuno foi ele mesmo durante algum tempo, até se deixar voltar a contaminar pela pessoa que esperavam que fosse. Tentei de novo despegar-me destes sentimentos pegajosos e que não me pertencem para agarrar com punho a minha vida, mas o sentimento de responsabilidade perante aquelas duas vidas retoma de tempos a tempos. O tumor precisa ser removido e não adormecido. Sempre que me sinto mal tenho tendência para de uma forma abrupta me desligar de tudo e então recomeçar tudo de novo. Como se morresse e ressuscita-se de tempos a tempos. Este é o tema fulcral da minha vida e a resolução do mesmo significa abrir uma porta para a minha luz interior ganhar vida e expressar-se.

...foi porreiro ler este artigo no qual vi muitas semelhancas 'as minhas proprias experiencias do passado. E'bom saber que nao sou o unico, mas por outro lado era bom que tivesse sido o unico.

coragem -1, retraimento -0

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