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12/05/2005 

Sopor Aeternus - Exibicionismo Introvertido

Anna Varney Cantodea é o corpo e mente que materializa um dos projectos mais invulgares e obscuros existentes na cena Darkwave/Folk actual. Não é exagerada a forma de descrição de um conceito artístico que consiste em si mesmo numa forma de terapia corporal, de expurgação de conflictos psico-somáticos derivantes de uma sexualidade problemática, e numa descarga sonora profundamente bela, delicada e autêntica.

- Nascimento e Origens
Sopor Aeternus & The Ensemble of Shadows é um projecto que segundo reza a lenda nasceu em meados de '89 em Frankfurt (Alemanha), derivado de uma procura por fazer algo ainda não antes feito a nível musical. O carácter extremamente depressivo de uma personagem ímpar que se apelida de Anna Varney, um ser biologicamente do sexo masculino que opta por não definir a sexualidade num campo restritivo de feminino/masculino, serve-se assim de Sopor Aeternus (Sono Eterno) como um receptáculo e escape para a sua própria existência, vivendo num mundo imerso em catacumbas onde a morte corporal pretende assumir forma através de uma imagem cadavérica, frágil e atormentada. A dialética gira em volta de um conflicto existente entre os limites corporais de um indivíduo que pretende ser livre de tudo, incluindo do seu corpo, para atingir um estado de paz interior e consequentemente com o universo que o rodeia. A ideia parece derivar de uma procura incorruptível da verdade absoluta e o som resultante é admiravelmente único.

- Casulo Sonoro ou Música para Crianças Mortas
Musicalmente não existe um género no qual seja possível enquadrar a intimidade musical incomparável de Sopor Aeternus; talvez por ser um cruzamento tão bem sucedido de música de câmara com um diálogo lírico perfeitamente construído e embrulhado numa esfera quasi-arquitectónica e cuidadosamente estudada que pouco a pouco vai absorvendo o ouvinte num estado de perfeita satisfação, ou até introspecção. De entre outros instrumentos destaca-se o uso do piano, oboé, trombone, violinos, tuba e de uma secção rítmica onde as harmonias flutuam em uníssono com a voz tortuosa e multi-texturada de Anna Varney. O som percorre caminhos principalmente recheados por instrumentos de sopro e cordas, resultando assim numa viagem auditiva extremamente calma e apaziguadora por oposição à vocalização que impera pela variedade de tons e lamentos. Não é possível, nem minimamente justo, considerar Sopor Aeternus meramente um projecto musical, as barreiras são automaticamente esbatidas através de outras formas de comunicação imagética onde a fotografia, experimentalismo e toda uma panóplia de edições especiais cuidadosamente preparadas reinam para fazer as delícias dos ávidos ouvintes de música entitulada de culto e na maioria dos casos limitada a uma tiragem reduzida de exemplares. Porém, se tentássemos aproximar Sopor Aeternus de qualquer outro grupo musical ou de um imaginário colectivo identificável a olho nú as hipóteses seriam demasiado vagas e ambíguas ao ponto de gerar confusão aparente. Termos como medieval, operático, valsa-fúnebre, barroco, melancólico, clássico, atmosférico, folk, invernal e frágil são talvez alguns dos sinónimos possíveis para ainda assim apedrejar uma forma musical perfeitamente passível de servir de banda sonora para os escritos macabros de Edgar Allan Poe.

- O Corpo é a Cruz
O antigo expressionismo corporal alemão é por exemplo uma identificação aparente, onde uma teatralidade mórbida é exibida num nível assumidamente dramático e homo-erótico. Fruto de uma natureza aparentemente dual, vazia, perturbada, ou simplesmente em constante fricção com a sua essência indefinida e portanto num constante limbo de para-arranca entre aprisionamento terreno e liberdade espiritual. Outra referência incontornável à qual se pode ligar a imagem de Anna Varney é a dança Butho, com origem no Japão pós-Segunda Guerra Mundial, que consiste numa dança performativa praticada nos quatro cantos do planeta tendo como base um corpo pintado de branco, usualmente nú, que teatralmente - de uma forma quase mímica - procura descrever um esvaziamento interior através de movimentos vagarosos, gestos lentos e expressões marcadamente exageradas ao serem sentidas e exteriorizadas.
A primeira performance Butho foi de Kinjiki em 1959, uma pequena peça teatral, sem música, em que um rapaz (Yoshito Ohno) imobiliza uma galinha entre as pernas, estrangulando-a num acto de aparente delírio sexual. Desde então Ankoku Butho (ou "Dance of Darkness") ficou para sempre conotada com um tipo de performance niilista, provocadora e grotesca. Contudo, os elementos deste tipo de dança passam principalmente por um estado de espírito prévio de abstracção que visa anular noções de espaço, forma ou peso resultando assim numa coreografia experimental de expressção fluida, quase de origem aquática, que transcende por completo o público ocidental civilizado. A dança invoca imagens de desespero, decadência, erotismo e êxtase. A prática da dança Butho não requer treino provisório ou requisitos físicos sendo portanto difícil instituicioná-la como uma forma de dança oficial pela sua recusa por etiquetas e igualmente pelo carácter mais catártico e extra-corporal que se recusa enclausurar de acordo com um ensinamento padronizado e não-pessoal.
Em Sopor Aeternus a imagem e a música são indissociáveis, sendo a arte e o artista uma continuação ininterrupta e portanto mais do que uma banda musical estamos perante uma "instalação humana", com todas as benesses e fardos que isto engloba. A dança é vista enquanto um ritual. Ritual este que embarca uma criação artística também de si ritualizada, em que a música é poesia e a poesia é dança, e a dança é movimento...

- Reencarnar, Acordar e Ritualizar
Varney explica a sua ligação artística com a música como sendo a forma mais natural que encontra de servir como receptáculo ou vector para sons e melodias que de alguma forma já foram criados (pela Ensemble of Shadows) e agora estão a ser "recebidos" e interpretados musicalmente, servindo assim de médium/meio canalizador entre uma dimensão astral e a apresentação desnudada destes conceitos ao mundo da matéria. A questão que permanece é: estará o mundo preparado para aceitar a visão deste ser andrógino?
Curioso mencionar que em vários registos se faz um percurso inverso onde faixas antigas são regravadas com novos arranjos e vocalização, um género de up-date obrigatório similar a uma reencarnação, por se sentir haver uma necessidade kármica de concluir uma criação que há primeira ou segunda tentativa não ficou de acordo com o ideal. Como se assistíssemos a uma lavagem de roupa suja com o propósito de superar falhas técnicas, de interpretação, ou meramente um cliché na procura pela perfeição e sinceridade artística. Neste aspecto, entre outros, encontra-se uma coesão artística quase universal que invoca conhecimentos de numerologia, astrologia e espiritualidade oriental, praticando um nível de consciência maturo onde a causa e efeito são faces do mesmo puzzle.
O objectivo primordial de Sopor Aeternus é estrictamente de terapia pessoal. Ao aprofundar conhecimento na obra de Anna Varney entra-se numa constelação onde a autenticidade artística é o leit motif que pretende ser acordado na beleza de não restringir a arte a padrões de conduta sexual, religiosa ou até moral o que faz com que seja um dos projectos mais interessantes do momento e um exemplo irrevogável do casamento entre forma e conteúdo.

- Discografia
"Es Reiten die Toten so Schnell..." (Demo-tape, 1989) - Limitado a 50 cópias
"...Ich tôte Mich Jedesmal aufs Neue, doch ich bin unsterblich, und ich erstehe wieder auf; in einer Vision der Untergangs..." ( CD, 1994)
"Todeswunsch - Sous le Soleil de Saturne" (CD, 1995)
"Ehjeh Ascher Ehjeh" (EP, 1995) - Limitado a 3000 cópias
"The Inexperienced Spiral Traveller" (CD, 1997)
"Voyager" - The Jugglers of Jusa" (CD, 1997) - Limitado a 3000 cópias
"Dead Lovers' Sarabande" (Face One) (CD, 1999)
"Dead Lovers' Sarabande" (Face Two) (CD, 1999)
"Songs from the Inverted Womb" (CD, 2000)
"Es Reiten die Toten so Schnell" (or: the Vampyre Sucking at his own Vein) (CD, 2003)
"La Chambre D'Echo" - Where the Dead Birds Sing" (CD, 2004)
"Flowers in Formaldehyde" (EP, 2004) - Limitado a 2000 cópias
"The Goat / The Bells have Stopped Ringing" (12" Vinyl, 2005) - Limitado a 1000 cópias
"Like a Corpse Standing in Desperation" (Box-Set: CDS+ DVD, 2005)

Web-Site Oficial: www.soporaeternus.de