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12/14/2005 

Morte Anunciada - Relato na 1a. Pessoa

E foi assim que finalmente morreu.
Estava estática. Parada. Fria. Azulada. Intermitente. Pesada. Quadrada. Firmemente inumana e esteticamente fria. Era tristemante reconhecível. E morta. Finalmente morta na minha cabeça. Uma obra de arte só minha. Privada. Sem local, sem espaço, sem peso. Simplesmente morta.
A tensão era elevada. Estava cheia de um vazio mecânico, de uma política que cegava os olhos e fazia sangrar o nariz. Os electro-choques interrompem o racíocinio interior. Quebra nos sentidos. A imagem domina a palavra. Os sons transgridem o pensamento. As cores sobrepõem-se aos sentidos. E o corpo, esse volátil receptáculo insatisfeito, deixa-se contagiar pelo virus enjoativo - normalmente o mais próximo - de fácil acesso. Na cabeça domina um estado dormente e latente. Um atraso progressivo do agora. Escondem-se os medos e fobias. Alimenta-se um presente distante, onde não se conhece a essência. Não se conhece nada. Nem se percebe porque se desconhece.
Não aguentei mais, tive de a matar.
Atirei-a.
Apertei-a com violência e luxúria.
Useia-a e deitei fora.
Mordia-a com força até sentir na boca e nas mãos o líquido que tanto me entusiasma. "Bom desayuno!", grunhi ao ver os vidros partidos e a liberdade de voltar a ser um homem livre. Puxei as cordas do estendal até não puder mais. Partiram e chicotearam-me a cara. Ri-me de saber que isto ia acontecer. Nas portas bati com os pés e as janelas fechei até se quebrarem em pequenos cacos que reluziam no sol que batia no chão. Tirei a camisola e fui ilustrar o corpo com sinais de poder. Voltei a ser um animal. Mandalas que adornam um pacote direccionado para o desejo escorrem-me dos braços e face. Corrupção da natureza. Crescimento inverso. Satisfação!
E estava morta. Finalmente morta e parada.
Apeteceu-me escrever. Pintar. Borrar as paredes. Esfregar e chafurdar tudo como se quisesse estravazar os sentidos e embriagar-me num plano irracional e portanto livre, experimental, desconhecido. Quebrar a casca do Ovo. Estava em vácuo. O receptáculo foi aberto e agora irá entrar ar novo. Limpeza dos póros. Overdose dos sentidos. Coragem. Medo de projectar a verdade. Ninguém está preparado mas todos desejam fazer o mesmo. O caos comanda agora. Tudo é permitido. A vontade e desejo é total e imparável! Instinto selvagem limpa os canais e empurra os intintos à toa da pele. Transpira-se extravagãncia saudável e intocável para o mundano cidadão da porta-do-lado.
No espelho vejo-me novo. Gosto do que vejo por não ser arranjado e portanto natural. Por não ser pensado previamente. Por desconhecer. Os raros e poucos momentos de naturalidade são absurdamente inesquecíveis. A beleza É a naturalidade.
Viro-me e continuo a desbravar caminho pelas paredes da casa que me levam à cama de 1,40x2,00 metros. Deito-me. Ou melhor, deixo-me cair. Posição fetal. Preciso daquilo. Vejo o tecto. Apalpo o sexo. As mãos na cara. Aperto forte. Agarro um livro, olho as palavras... Sinto repugnância pelo escape ilusório de uma junção de letras que geram sentidos tão universalmente comuns. Sinto-me acima daquilo. Capaz de escrever melhor e dar um novo sentido às coisas. Viro-me. Rio de tudo inclusivé do próprio som do riso que ecoa na cabeça durante breves momentos.
Agora que morreu posso estar bem comigo mesmo. Não quero estar longe. Não odeio a morte e destruição. É parte de mim. Com todos os defeitos e paradoxos que reconheço e portanto me irritam. O desastre é inevitável. Guerra e discussão e tristeza também. O tempo não para. Nada para. A mente não para. As máquinas não param. Os conflictos não param. O crescimento não para.
A morte não para.
E tudo o resto cresce, desenvove e é consumido.
A morte tem a fome do tempo.